O ciclo da morte

A morte que viverei hoje, ao término dessa hora, será diferente de amanhã e depois de amanhã, marcando sempre o fim de um dia que nunca mais retornará. Da mesma forma, as palavras que digo, mesmo sendo repetidas, jamais serão as mesmas; far-se-ão diferentes a cada vez que forem pronunciadas, mesmo que contenham em si as mesmas sílabas, fonemas, significados. Nunca poderei reviver o breve segmento de um anúncio de despedida. Posso rememorar, posso repetir, mas reviver, jamais! Estará morto, junto ao passado, em eterno fluxo, engolindo o presente que, antes de ser abocanhado, vomita o futuro. Futuro que, no instante do vômito, torna-se presente a ser novamente engolido pelo passado que outra vez cuspirá o futuro, que no instante da cuspida, tornar-se-á presente mais uma vez. Diante deste cenário cíclico, interminável, vive o homem, também condenado a se dividir em pedaços, ao menos, segundo a sua compreensão da existência, sendo vítima de inúmeros assassinatos, de suas tantas vidas. Nunca tendo uma identidade fixa, e ao mesmo tempo, tendo e, logo, perdendo. Sendo um eterno 'vir-a-ser', que nunca é, de fato, mas está sempre 'sendo'. Ontem, minha filha mais nova foi morar no exterior. Pude experimentar, no momento da sua partida, a morte do próprio momento de partida, para sempre eternizado como o que foi, o fim de um ciclo dando lugar a uma nova vida. Um dia, de tanto morrer, eu morrerei de vez. Meu corpo se acabará (o que não está longe de acontecer). Para muitos, essa morte derradeira não lhes é familiar; estes são os que não reconhecem que durante toda a vida estavam a morrer, dando origem aos mais diversos túmulos. Uma hora esgotam-se as centenas de milhares de vidas que o homem detém em seu orçamento natural. O fluxo continua, mas a carne fica pelo caminho, restando apenas as lápides que contêm os fósseis dos pedaços de sua alma, que um dia também se apagarão para o mundo.