O Txuku e a Vizinha: A força do feitiço

Tentando acertar a sua antena, Txuku – um menino de 12 anos, filho singular e único familiar vivo da sua mãe – foi estranhamente electrocutado e embalado no berço do eterno repouso. E, agora que escrevo, lá no ventre da terra, o rapaz desfila o corpo pálido, gélido e semi-esquelético. Sendo matéria em decomposição, o garoto jaz numa tumba de arreia com uma TV recostada na cruz. E, com estilo, o finado vai, gota a gota, dissipando a sanidade da vizinha.

Era habitual ver o menino a tentar acertar a antena da sua TV, mas um dia a sua mãe teve desentendimento com a vizinha, onda a razão falecia, as duas cuspiam impropérios, palavras fedorentas e tóxicas para a alma humana. Já com o espírito contaminado por aquela verborreia que destapava as vergonhas e sujava a alma, a vizinha, com as lágrimas timidamente afogando os olhos, disse, com a voz trémula e desmilinguida: “verás o que te vai acontecer”.

Nessa noite, como sempre, o Txuku subiu ao tecto da sua casebre miseravelmente construída com os materiais que tinham restado da construção da casa do tio, irmão do seu finado pai. Antecipando sorrisos futuros causados pela alegria de ver a TV, o menino mal sabia que aquela seria a sua derradeira tentativa de acertar a antena, já que esta estava armadilhada com uma altíssima amperagem de “electrofeitiços”. O Txuku morreu electrocutado pela antena da sua TV,.

Depois do enterro, a sua mãe olhou para a vizinha e disse “obrigada!” e nunca mais foi vista. Agora, a vizinha, todas as noites quando olha para cima da sua própria árvore, vê o Txuko agachado a ver TV com um semblante tristonho e desesperançado, com uma lágrima lentamente resvalando no rosto, vê-o também no espelho quando retoca a maquilhagem e no tambor ao tirar água e na bacia quando toma banho.

Ela chora todos os dias, não come, não bebe: está no estado vegetativo. Clama por ajuda, evocando a justiça divina, que nunca chega. Ninguém acredita no que diz, porque ela é insana, não sabe o que fala, e, a cada aparição do Txuku, ela vê a sua sanidade se esvaecendo e se isola de toda a sociedade.

Visitada pela loucura e levada a apreciar a beleza do suicídio, a vizinha só conversa com o próprio Txuku: falam da loucura, do peso da existência, do valor da vida e da estética do luto. Assim, a vizinha pergunta ao Txuku se a loucura habita na carne, no espírito ou no intervalo entre os dois, se o valor da vida está nela mesma ou no lapso temporal que adormece no infinito que repousa depois do túmulo. Ela conclui: “Se a vida é sofrimento e a morte é endeusamento do homem, por que insistir no atormento? Se uma pitada de veneno ou uma corda pendurada no barrote e no pescoço nos pode tornar divinos, por que insistir numa existência nauseabunda? Se a vida é prisão e a morte, libertação do espírito – eu quero vestir as asas do infinito e voar nas nuvens do intemporal, quero beijar as mãos do eterno e sentir o calor da inexistência”.

Por Ilídio Pedro (Mutxipisi)