(capa do livro)

 

 

Olá Recantistas, caros amigos, sei que é chato postar aqui textos longos. Mas resolvi arriscar a postar o único romance que ousei escrever. Vou postar em capítulos e o áudio livro também em capítulos. Um link para o Youtube.   Descobri que ouvir livros é o máximo. Quem se animar a ler ou ouvir, fico feliz. É uma linda história. De ficção, mas que trás muitas reflexões. Colocarei também o link onde o livro está a venda desde ano passado. Bora lá e me perdoem a ousadia.

 

 

ROMANCE: “ FOI O VENTO”

AUTORA:  Sônia Machado

 

APRESENTAÇÃO

 

Nos capítulos a seguir, a descrição de alguns lugares é verdadeira bem como algumas informações ao longo da trama, resultado de pesquisas realizadas. Os lugares existem, quer se trate da Vila Ipojuca em São Paulo, da Padaria Laika, da Rua Tonelero, entre outros.  

A trama gira em torno de sentimentos como o orgulho que, como diz Santo Agostinho, é a fonte de todas as fraquezas. 

A escolha do título, trás também, de certa forma, para dentro da história, o vento como personagem, porque, além de ser uma paixão da autora, ela acredita sinceramente que Deus anda em suas asas, depois de ter lido um versículo na Bíblia que deixa isso bem claro.

A trama em si mesma é apenas uma mera ficção, mas que trará para quem a ler, muita reflexão.

 

 

 

Prólogo

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O INVERNO HAVIA CHEGADO MAIS RIGOROSO AQUELE ano e o vento parecia mais gelado e mais afoito.

 Quando Lívia desceu as escadas da antiga casa da Rua Tonelero onde morava, para ir à padaria, ela jamais imaginava que sua vida tomaria rumos diferentes a partir daquela tarde.

Ela jamais imaginava, por exemplo, que aquela casa guardava um pedaço de sua história que ela desconhecia até então.

Lívia também nem imaginava que os fantasmas de um passado marcado pelo orgulho haviam acordado naquele dia para cobrar as coisas que ficaram mal resolvidas, e, que caberia a ela, reparar os erros cometidos pela família.

E por fim, ela jamais imaginava que perderia sua mãe em pouco mais de um mês, e que, o amor de sua vida chegaria também naquela tarde junto com o vento.

 

 

Capítulo 1

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SR. LOPES DESCEU DE UM LAND ROVER RANGE DE COR prata na Rua Tonelero, Vila Ipojuca. Protegia-se do frio e do vento de São Paulo com um sobretudo de lã marrom sobre um suéter de tricô bege com a parte da frente tricotada em xadrez Argyle, um xadrez clássico de inverno formado por losangos e linhas diagonais em tons mais claros.

Na cabeça, Sr. Lopes ostentava um chapéu Ramenzoni Cury Pelo De Lebre legitimo, cujos detalhes únicos, agregavam ainda mais estilo e sofisticação ao acessório. O belíssimo chapéu, também em tom marrom, completava a figura de um homem requintado, apesar do andar trôpego que ostentava, inclemência da velhice que, quer queira, quer não, incomoda tanto a pessoa idosa e, inclusive, quem contempla do lado de fora, o declínio da vida e a decadência física. Infelizmente, a sociedade cria estereótipos para a velhice.

Mas, apesar de seus oitenta e poucos anos, Sr. Lopes ainda estava numa idade produtiva. A segunda idade produtiva, segundo um estudo nessa área nos Estados Unidos. Portanto, o andar trôpego do Sr. Lopes, era apenas um detalhe que nem de longe afetava sua vida como dono de grandes posses, as quais precisava administrar e que o afastava, ainda que temporariamente, da hipótese de manutenção pessoal que os idosos não têm como escapar. Afinal não há como fugir desse ciclo da vida. A não ser que morra quando jovem.

 

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Depois de saltar devagar do carro, Sr. Lopes foi descendo a rua a passos quase medidos, equilibrando-se em sua bengala de caminhada da marca Azeem Vintage, com designer em estilo náutico em latão vitoriano dourado e bastão em madeira de rosa indiana.

Alguns metros depois parou em frente a uma antiga casa, porém conservada, quase espremida entre outras construções mais modernas.  Uma bela casa. Observá-la era como viajar no tempo de uma forma romântica. O que não combinava com o Sr. Lopes. Mas era o que ele estava fazendo, embora não soubesse explicar o porquê, uma vez que, há mais de vinte anos havia tentado esquecê-la, evitando que os fantasmas do passado se aproximassem.

Contudo, naquela manhã, como desígnio do destino, esses fantasmas se aproximaram e, por volta das quatorze horas, Sr. Lopes se rendeu a eles. Chamou o motorista e pediu que o levasse a Vila Ipojuca.

— Foi o vento... Sim... Foi ele... —disse para si mesmo diante da casa. — E parecia falar, não exatamente daquele vento que soprava forte, mas da força do ocaso da vida. Vento. Ocaso. Inverno. Uma junção de fenômenos absorvidos em determinado momento, principalmente por quem já viveu muito. Era a justificativa por ter deixado que as lembranças tomassem conta de si. Algo que não havia permitido até então.

Mas, naquele dia, o vento havia entrado pela janela aberta da saleta onde tomava o café da manhã, e parecia sussurrar coisas em seu ouvido, como a célebre frase do escritor norte-americano William Faulkner: “o passado nunca está morto. Nem sequer é passado”. Portanto, engana-se quem pensa que o passado morre. Ele sempre dá um jeito de voltar, principalmente quando ficaram coisas mal resolvidas para trás.

 

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Há muitos anos, fora naquela casa que Sr. Lopes vivera com a família. A esposa Leonor e os filhos Miguel e Mariana.

Histórias e momentos foram se delineando em sua mente, como aquela tarde de inverno na década de sessenta. Ele chegara em casa depois de um dia de trabalho na imobiliária do tio e padrinho rico.

— Mamãe... Mariana... — Miguel gritou quando ouviu o ranger do portãozinho — Papai chegou. — E sem esperar por elas, desceu as escadas correndo.

Para Sr. Lopes aquela lembrança parecia tão real ali naquele momento, que pode ver seu filho Miguel com apenas oito anos descendo as escadas de dois em dois degraus e pular em seus braços. O menino vestia calças curtas azul-marinho e camisa xadrez sob um suéter também azul. Ele levantou o filho no ar como sempre fazia, para depois colocá-lo no chão e dividir sua atenção com Mariana que vinha logo atrás.

Mariana tinha apenas cinco anos e era sua princesa. Dava gosto vê-la descer as escadas devagar como se medisse cada degrau. Sr. Lopes a esperava paciente para lhe dar o prazer da recepção. E finalmente lá estava ela, no último degrau, com seu cardigã vermelho de tricô sobrepondo o vestido também vermelho de poás brancos. Então ele levantava sua princesa no ar e subia as escadas carregando-a. Mariana sempre tinha esse privilégio, mas as balas de mel de todos os dias eram também de Miguel.

Leonor, sua esposa, bela e serena, o esperava no alto da escada, as delicadas mãos cruzadas no peito, o ombro direito encostado na coluna que enfeitava o lado esquerdo do alpendre.  Era uma bela mulher de cabelos curtos castanhos claros e levemente ondulados, penteados à moda dos anos sessenta, com a raiz alta à La Brigitte Bardot e cuidadosamente fixados com laquê.

Naquela tarde, Leonor vestia um vestido simples azul com estampas de flores miúdas e estava radiante também com seu casaquinho azul de tricô. Ela sempre ficava mais linda de azul. Fosse azul marinho, turquesa, royal... Não importava.  Sr. Lopes havia reparado. O rosto dela ganhava nuances mais alvas e até mais cândidas do que já era.

Com um leve e tímido beijo Leonor o recebera e, juntos, naquele dia, a família jantou na pequena cozinha, pão e ensopado fumegante feito com batatas, acelga e pedacinhos de carne. Miguel e Mariana brincando de jogar migalhas uns nos outros.

— Papai, o Miguel está jogando pão em mim. — Mariana reclamou fazendo um beicinho quando um pedaço de pão acertou em cheio o prato de sopa respingando seu cardigã vermelho.

—Parem os dois... — Leonor os repreendera com doçura. — tratem de comer tudo sem brincadeiras.

Foi nesse momento que um pedaço de pão vindo da direção do Sr. Lopes passou bem perto do nariz de Leonor provocando risos nos filhos.

—Vicente... — Leonor revirou os olhos. —Até você... — Mas deixou escapar um leve riso.

 Sr. Lopes, apesar de ser um homem de duros princípios e às vezes possessivo com filhos e esposa, como era a cultura naquela década, sabia também ser um bom pai e esposo, e assim pode usufruir de uma felicidade durante algum tempo.

 

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Quando faleceu o tio e padrinho rico e solteirão com quem trabalhava, Sr. Lopes recebera uma herança que incluía todos os seus bens. Nada menos que dezenas de edifícios, casas e ações, que, avaliados, somavam uma grande fortuna.

Com o prestígio que ganhou na sociedade, foi crescendo também o orgulho e a vaidade. Logo Sr. Lopes decidiu se mudar para o palacete onde o tio vivera e que também fazia parte de sua herança. Mudaram-se em julho de 1962 ou 1963. Ele não se lembrava bem. Sabia apenas que fora a contragosto de Leonor que adorava aquela rua e a antiga casa da Rua Tonelero.

—Vicente porque temos que mudar? — Com lágrimas nos olhos cor de mel ela havia questionado seu esposo assim que ele comunicou que iriam se mudar logo para o palacete que estava reformando.

— Agora que somos ricos não é de bom tom morar numa casa tão simples como essa. — Sr. Lopes havia respondido enquanto jantavam na pequena cozinha.

— Um homem de meu status precisa manter autoridade e poder. E isso não combina com essa casa. — Sr Lopes completou com o garfo fazendo movimentos no ar.

—Mas podemos reformar essa casa... —Leonor ainda tentou persuadi-lo.

—Vamos nos mudar... Já está decidido. — Sr. Lopes bateu o garfo na mesa e se levantou. — E pare de chorar, pois não suporto fraquezas. —E abandonou a mesa de jantar.

Dois meses depois se mudaram. Sr. Lopes se lembrava bem daquele dia: Leonor com lágrimas nos olhos descia as escadas segurando as mãos da eufórica Mariana.

 Para Mariana e Miguel a mudança era algo inédito em suas vidas. Era como se fosse uma aventura. Eles não compreendiam bem essas coisas de laços. Viviam o momento. Não importava o que ficava para trás e muito menos lhes preocupava o futuro, senão a nova casa onde iriam morar.

Então a família do Sr. Lopes partiu sem olhar para trás, exceto Leonor, cujo olhar só se desviou da casa assim que dobraram a esquina e, ela finalmente, sob o olhar duro de seu esposo enxugou a última lagrima que molhava sua face.

Contudo, Sr. Lopes não se desfez da casa antiga. Acabou fazendo algumas reformas necessárias e passara a alugá-la através de sua empresa imobiliária que cuidava de todos os seus bens desse ramo.

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Absorto em suas lembranças, Sr. Lopes se assustou quando o velho portãozinho de ferro da casa rangeu e se abriu para dar passagem a uma moça que deveria ter pouco mais de vinte anos.

A moça parou e o fitou com curiosidade, afinal ele estava bem diante de seu portão observando a casa.  Ela pareceu ao Sr. Lopes a personificação de alguém. Aqueles cabelos castanhos claros e levemente ondulados um pouco acima da altura dos ombros; seus olhos cor de mel e, até mesmo, o vestido mídi azul com estampas de florzinhas miúdas e o cardigã também azul que usava...

De repente, Sr. Lopes pareceu atônito com aquela visão e não conseguia desviar os olhos.  E quando a voz saiu foi para dizer, numa mistura de questionamento, exclamação e confirmação:

—Leonor?!... — E essa única palavra, o nome de uma mulher, era, sobretudo, algo que ficava muito para dizer. Para entender.  Para Sr. Lopes, eram anos e anos que se resumiam ali naquele instante ou que pareciam nunca ter passado de fato. Anos de vivência e anos de ausência que Sr. Lopes tinha decidido nunca mais lembrar.

— Não senhor... Não me chamo Leonor. Meu nome é Lívia — A moça se apressou a desfazer o mal- entendido. —Deve estar me confundindo com outra pessoa.

Sr. Lopes não respondeu, pois lhe faltara a voz. Diante do olhar interrogativo de Lívia, ele se virou rapidamente, afastando-se com dificuldade apoiado em sua bengala de caminhada. 

—Senhor... — Lívia ainda tentou detê-lo, — espere. — Mas Sr. Lopes apressou os passos.

A poucos metros dali, seu motorista já estava com a porta do Land Rover Range aberta e o ajudou a entrar. O carro arrancou e dobrou a esquina com a Rua Húngara.

 O coração de Sr. Lopes batia forte no peito. A imagem de Leonor ressurgindo de um passado, viva e real diante daquela casa, era mais do que ele podia suportar, pois, jogava por terra, todo o esforço que fizera para seguir em frente sem deixar que lembranças o perturbassem.

— Preciso demolir aquela casa. — pensou em voz alta. — O quanto antes... 

 

 

 

Próximo capítulo......

 


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