FOI O VENTO

 

POR: Sônia Machado

 

 

 

 

CAPÍTULO 2

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ARTHUR, COM AS MÃOS ENFIADAS NOS BOLSOS DA calça caqui, olhava o tempo lá fora. Ele podia ver através da janela como o vento sacudia, lá embaixo, as copas das árvores enormes ao longo da rua e, ao mesmo tempo, parecia querer romper a barreira de vidro das janelas de seu escritório.

—Ventos são importantes para a dinâmica natural do planeta... —Arthur falou em voz alta se lembrando das antigas aulas de Geografia e do professor explicando que quando o ar se movimenta temos os ventos, e que, sua intensidade varia conforme as condições geográficas e climáticas, podendo ser leve ou forte e até mesmo causar destruições catastróficas.

—São? — Mário, seu assistente perguntou bem ao lado dele. —Quer que eu abra a janela para testar essa dinâmica?—sugeriu rindo.

—Está maluco Mário. Não quero que passem o próximo mês organizando papéis ou correndo atrás deles pela rua. Isso se a dinâmica do vento não levar os papéis pelos ares. Imagine o trabalho que ia dar.

Ambos riram, imaginando os projetos da última semana voando pelos ares de são Paulo.

—Melhor manter a janela fechada. —Arthur falou batendo nos ombros de Mário.—Mas eu, vou me jogar ao vento nessa tarde.

—Como assim cara?—Mário fez cara de espanto. —Pretende se atirar pela janela?

—Tá doido Mário? De onde tirou essa ideia? Vou é oferecer minha cara pra ele bater daqui a pouco. Acho que estou precisando demais disso. — Arthur deu uma gargalhada diante do olhar de Mário que fingia estar assustado.

— Está precisando apanhar? Não seja por isso. — E Mário ameaçou ir para cima de Arthur simulando um golpe cruzado de boxe bem na lateral de seu rosto.

—Você endoideceu Mário? Este escritório não é um ringue. — Arthur riu mais alto — está levando muito a sério seus treinamentos de boxe.

Ambos riram e também os outros funcionários que já se colocavam a postos para assistir uma apresentação de pugilismo bem no meio do escritório. Mário e Arthur eram muito brincalhões e conseguiam se descontrair e a seus funcionários, sem, contudo, perder a autoridade.

—Aquele projeto que terminamos mexeu com nossa cabeça. Acho. — Mário bateu nos ombros de seu amigo.

— Você fala daquele projeto da cama que ao ser acionada sai de dentro da casa tipo um portão eletrônico e vai receber os raios do sol pela manhã? — Arthur se recordou do projeto maluco que criou para um empresário.

— Ou o luar... — Mário riu mais alto. —Esse mesmo  cara.  Projeto maluco, mas interessante. Imagine dormir sob o luar, ou tomar café com o sol batendo no rosto.

—Confesso que prefiro o luar. — Arthur disse simulando um ar sonhador e Mário revirou os olhos.

— Mas é verdade.  O projeto foi bem maluco. E você também quase pirou. —Arthur lembrou ao seu assistente enquanto caminhava de novo para a janela encerrando o assunto. O vento com certeza o atraia. 

Arthur gostava desses fenômenos que não possuíam intervenção humana. Vento, frio, sol, chuva...  Cada um tinha seu tempo certo, mas todos eles às vezes ultrapassavam os limites. Esse ultrapassar limites era o que mais o impressionava. Era isso que ele procurava fazer em todos os seus projetos de Arquitetura.

 

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Arthur era um jovem empreendedor de pouco mais de trinta anos e com duas graduações em seu currículo, além de algumas especializações.

Quando completara o ensino médio decidira por graduação em Arquitetura e Urbanismo que o tornou apto a atuar em várias áreas que iam desde o Paisagismo, criando projetos de espaços como jardins, praças e parques; Urbanismo, planejando e organizando espaços públicos; Restauração de edifícios, criando projetos de recuperação de casas e prédios antigos; Edificação e construção, criando projetos e coordenando as obras, escolhendo materiais e analisando custos. Resumindo: Arthur projetava e coordenava a construção de casas, prédios e espaços internos e externos, levando em conta a parte estética, funcional e também de conforto. Era um trabalho que ele fazia em conjunto com o engenheiro, o que o fez se decidir também por uma graduação em Engenharia Civil e, com isso, acabou lidando também com o aspecto mais técnico das construções. Fora um tempo difícil de estudos e trabalho que ele vencera com garra e determinação. 

Quando criou a sua própria empresa, a “Andrade Empreendimentos & Arquitetura”, há cinco anos, Arthur havia terminado de projetar e coordenar a construção do prédio onde fixara a sede, alugando o quinto andar. Era um prédio com vários andares exclusivos para escritórios e basicamente no estilo minimalista, um estilo que ele praticamente adotou em seus projetos.

Arthur gostava do termo "menos é mais" do minimalismo, com sua versatilidade que dava a sensação de liberdade, mas, ao mesmo tempo de regras. Embora fosse flexível, Artur entendia que regras são fundamentais em qualquer espaço da vida.

Esse edifício projetado por Arthur e, no qual mantinha seu escritório, era um exemplo disso com sua estrutura de traços retos, compactos e conectados, sem desperdício de espaços, além dos detalhes das paredes com texturas abstratas e fachadas de vidro permitindo bastante luz. Nas paredes, Arthur preferiu as cores sóbrias. O edifício, sem dúvida, era um monumento moderno, tanto em termos de arquitetura e decoração, quanto de tecnologia em todos os andares que possuíam quase duzentos metros quadrados de espaço praticamente abertos, separados apenas por paredes de vidro ou pisos mais elevados.

Os projetos de espaços abertos e mais amplos eram a paixão de Arthur , bem como a tendência de escritórios integrados, aqueles sem uma demarcação de lugar ou espaço. Não com a intenção de fiscalizar, mas, com intuito de facilitar, de colaborar. Ou seja, espaços de trabalho com mais ergonomia e mais bem conectados, projetados para uma maior interação e conectividade. Isso era na verdade o que Arthur objetivava. Até porque a tendência hoje em empresas é justamente trabalhar de forma colaborativa. Um ambiente nesse estilo é uma forma de se alinhar a essa necessidade. Resumindo: escritório integrado facilita soluções multidisciplinares.

 Contudo, Arthur entendia também que havia as atividades que precisavam de maior concentração. Por isso, criara nos escritórios algumas áreas para atividade mais focada, livre de barulho e também para pequenas reuniões. Além disso, a decoração do escritório, tanto o mobiliário quanto as cores, criavam um ambiente dinâmico e convidativo.  Por exemplo, os tons neutros e sóbrios das paredes, as estantes que viravam mesas e mesas que se transformam em bancos e assim por diante. A ideia de Arthur realmente era deixar o ambiente mais flexível.

Era assim que Arthur pensava e agia na sua vida pessoal, na administração de sua empresa e na criação de seus projetos.

A “Andrade Empreendimentos & Arquitetura”, apesar do estilo minimalista dos projetos e da administração, não dava a impressão de ditar regras, mas sim de liberdade. Para Arthur, mínimo era sinônimo de liberdade, de vida plena, sem apegos desnecessários, sem burocracias.

 

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Depois de ficar um longo tempo observando lá fora através da imensa janela de vidro, Artur finalmente pareceu sair do transe e passando pela mesa de seu assistente avisou que ia sair.

— Mário, estou indo oferecer minha cara ao vento.

Mário que analisava uma planilha de custos levantou a cabeça dizendo:

— Não vá chegar aqui com a cara arrebentada ei?

—Não se preocupe. O vento hoje não está tão peso pesado assim. Volto sem um arranhão. Prometo.

— Ah! Não vá perder a hora da reunião com o Sr. Lopes. — Mário lembrou.

—Ele vem às dezessete horas não é? — Arthur questionou olhando o relógio de pulso. — Tenho bastante tempo. — E saiu passando pela porta de vidro que se abriu à sua identificação biométrica.

Já na rua, o vento o recebeu com um tapa gelado na cara. Ele simplesmente ofereceu a outra face e seguiu pela Rua Croata admirando as casas simples e algumas até bem velhas, as várias residências modernas e edifícios de condomínios como o Imperiale, o Villa Romana Special Place, o Palazzo Ferrara entre outros.

  O que mais Arthur admirava nessa rua era o número de apartamentos à venda.  Só em um site de vendas, por exemplo, havia novecentos e oitenta. 

Quando Arthur se estressava em seu escritório ou precisava pensar sobre algum projeto, ele gostava de caminhar nessa rua. Nessa tarde, porém, depois de andar bastante, Arthur dobrou a esquina e entrou na Rua Tonelero, outra rua que o fascinava pela beleza da arborização e da mistura de arquiteturas que ia desde as residências antigas às mais modernas e os edifícios como o Via Veneto com seus detalhes azuis e pedras na fachada do andar térreo; o Saint Laurence e sua já gasta calçada de pedra portuguesa e a velha árvore de frente com parasitas naturais grudadas em seu tronco além de algumas bromélias e, bem ao seu lado o Grand Space Alto Lapa em dois blocos brancos erguidos para o céu.

Em meio a essa arquitetura híbrida já se podia visualizar também algumas poucas vibes do momento como o maximalismo, um estilo no qual “mais é mais”, priorizando o exagero, o vibrante, sobrepondo estilos e tendências, justamente o oposto do minimalismo. Segundo alguns, o maximalismo voltara para ficar, justamente pelo fato de levar em conta a personalidade de cada um ainda que com mais intensidade nas decorações de interiores. Mas, para Arthur nada superaria o antagonismo da arquitetura minimalista do qual era adepto. Não que fizesse apologias às supostas regras desse estilo, mas porque considerava que para viver bem, não era preciso muito.

Naquele momento, por exemplo, para Arthur bastava o vento que o seguia pelas ruas com suas brincadeiras, sussurrando coisas, arrastando folhas ou levando chapéus.

E por falar em chapéus, enquanto caminhava aproveitando cada passo, Arthur visualizou algo, que ora arrastava-se pela rua em meio às folhas secas, ora parecia querer se levantar levemente no ar e parecia vir rapidamente em sua direção dominado pela força do vento. Logo atrás daquele estranho objeto, uma bela moça corria na mesma direção farfalhando o vestido azul estilo Três Marias com estampas de pequenas flores.  Ela tentava pegar, em vão, o tal objeto que se arrastava ao sabor vento, o que rendia uma cena muito engraçada que Arthur saboreava com um riso no canto da boca.

Por instantes o vento pareceu se cansar da brincadeira e o objeto fatigado aquietou-se finalmente perto da calçada em meio às folhas secas.

Só então Arthur, que já se aproximava da cena decidido a auxiliar a moça no pega-pega, percebeu que se tratava de uma boina azul de tricô, e se adiantou, abaixando-se para resgatá-la praticamente ao mesmo tempo em que ela fazia o mesmo.

 

 

 

Continua...

 


 

 

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