Um toque

Num momento esquisito em que me estranho, zonzo, carrego meu peso pro banheiro. Com a boca seca e tontidão no olhar, aquelas lâminas preparadas por mim brilharam como nunca. Retornando à cama, meu corpo desidratado contracenava com gotículas de sangue que me encaravam: me encaravam e formavam um belo jardim de horizontes vermelhos. Os riscos sabiam acudir minha alma, um ríspido toque, seco e ardente. Não desenhava nada de início, mas seu fruto amargo me agradara tanto. São poucos segundos para pintar um pouco mais da pele, e aí secava. Secava tão rápido e pintava tão pouco. Sua forma abstrata me olhava como um pequeno apelo, um descobrir novo que nunca tivera antes.

As cicatrizes de ansiedade doeram meses atrás, mas aqui só resta beleza: um respeito do artista que pinta, sente-se bem ao pincelar, mas nunca é bom o bastante. Esse toque áspero, tem dois confortos: seu fruto e o sentir, como se esse agora fosse diferente de todos os outros agoras. É único e sinto tão pouco, acaba tão rápido. Continuo formando horizontes de mares secos com meu áspero pincel. Resolvi experimentar formas diferentes. Tatuei-me à sangue regredindo do joelho ao quadril. O dedo indicador se forçava tanto quanto conseguia, já que sempre fui fraco, às vezes falhava e o rastro não era tão belo. Em riscos longos, era nítida minha dificuldade em consistir, mas ainda era um toque. Minha repulsa ao meu desejo ditava onde, um medo ditava o onde. E mesmo assim, aquela ardência me completava, tão carente que era desse toque. É externo e diferente de mim, talvez por isso seja tão bom. Descobri meu corpo mais belo banhado de sangue próprio.

É a familiaridade com a carne que apodrece com passar do tempo. Um grande coágulo que seca todas as noites, na esperança de se limpar pela manhã. Sonhava acordado vendo a luz pelas pálpebras vermelhas, já que este Sol me apodrecia inda mais.