FOI O VENTO

 

POR: Sônia Machado

 

Capítulo 11

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NA TARDE SEGUINTE, SR. LOPES ESTAVA LÁ OUTRA vez, diante da casa da Rua Tonelero. Contudo, não desceu do Land Rover Range e orientou o motorista a parar alguns metros antes da casa. A imagem de Leonor personificada naquela bela moça do outro dia tinha pressionado sua volta. Ele esperava revê-la ou comprovar sua demência?

Por um longo tempo Sr. Lopes ficou ali observando e esperando. Até que a visão de Lívia descendo as escadas da velha casa pareceu anular todos os anos que separavam passado e presente. Ele se imaginou abrindo o velho portãozinho como há tantos anos atrás e indo ao encontro de Leonor ali no meio da escada. Por breves segundos Sr. Lopes desejou isso com tanta força que chegou a dizer em voz alta:

—Leonor...

Mas quando Lívia abriu o portãozinho, Sr. Lopes pediu ao motorista que arrancasse rapidamente antes que ela o percebesse ali. 

Essa cena se repetiu por vários dias e as lembranças e imagem de Leonor personificada em Lívia, de alguma forma, era insuportável porque fazia o Sr. Lopes se sentir frágil e sensível mais e mais.  E isso era inadmissível para um homem que sempre demonstrara força e coragem ao longo da vida.

No entanto, uma força maior que sua vontade o levava todos os dias àquela casa. Como se explicava a semelhança daquela moça com sua falecida esposa Leonor? Pois era a imagem dela que ele via ali naquela casa, descendo as escadas todos os dias. Uma imagem que ele conhecia bem daqueles anos na década de sessenta, antes de ele perder a alma para o mundo capitalista.

Antes, porém, de fazer o próprio diagnóstico quanto ao seu estado senil, ou, talvez, procurar um médico, pensou em algo mais prático e, porque não dizer, mais óbvio. Decidido a descobrir quem eram os inquilinos daquela casa, Sr. Lopes foi pessoalmente até à imobiliária que cuidava de todos os seus imóveis e pediu o contrato de aluguel para analisar, algo que jamais fazia, pois era trabalho do administrador de seus negócios e que, antes fora de seu filho Miguel. Ele, na verdade nunca sabia quem eram seus inquilinos. De forma que essa atitude pareceu estranha ao administrador da Imobiliária.

—Algum problema com esse contrato Senhor? Geralmente o Senhor não se incomoda com essas coisas.

— Estou pensando que talvez tenha algum problema sim. — Sr. Lopes disse recebendo das mãos do administrador a pasta do Contrato.

Quando abriu a pasta e leu o cabeçalho, este pareceu queimar em suas mãos.

— Locatário: Esmeralda Almeida Lopes. — Sr. Lopes leu em voz alta. — Esmeralda? Lopes? — Aquelas palavras tiveram um impacto que ele não esperava, mas continuou a leitura.

— Profissão: costureira. Não acredito... — Sr. Lopes sentiu o sangue correr nas veias e olhou para o administrador.

— O que houve senhor? Está sentindo alguma coisa?—O administrador se aproximou do Sr. Lopes com receio que ele estivesse tendo um infarto, mas ele o fez parar com um gesto.

—Estou bem. Apenas surpreso. Esta mulher...

—É uma senhora viúva. Mora apenas com a filha. — O administrador explicou. — Não temos problema algum com ela. Paga o aluguel sempre em dia e cuida muito bem da casa.

—Viúva? E tem uma filha? — Sr. Lopes parecia questionar para si mesmo.

As informações do contrato o levaram de encontro ao passado mais uma vez. Aos dias de discussões com o filho Miguel por causa de Esmeralda, a costureira de fundo de quintal já grávida, com a qual o filho resolvera se casar e que agora Sr. Lopes tinha certeza, tiveram uma filha.

Agora ele tinha duas certezas. A primeira: ele não estava demente. A segunda: sua família não tinha acabado afinal, pois havia um descendente, uma herdeira, filha da costureira com seu filho Miguel e que era a cópia idêntica de sua esposa Leonor.

Essa segunda descoberta deixou Sr. Lopes muito abalado. Descobrir que tinha uma neta, nesse primeiro instante não lhe pareceu algo bom para alguém que tinha decidido seguir a vida sem se apegar a qualquer sentimento. Para o Sr. Lopes, essa descoberta ameaçava desmoronar o mundo fechado que criara para suportar todas as perdas. Ameaçava trazer de volta um passado que ele não queria mais se lembrar, mas que, como uma espécie de castigo viera afrontá-lo.

Foi por isso que, decidido, ou mesmo sem pensar direito, virou-se para o administrador.

—Quero que envie à inquilina uma ordem de desocupação dessa casa.

—Tem certeza senhor? Mas... — O administrador estava surpreso, pois Sr. Lopes nunca se envolvia com esses assuntos. Era a primeira vez que fazia isso. — Algum problema com essa senhora?

—Vou demolir a casa. — Sr. Lopes disse simplesmente. Uma justificativa que encobria a verdadeira razão.

— Demolir? — O administrador estava surpreso. Ele sabia que existia outra razão por trás daquela decisão, pessoal certamente, já que procurara saber o nome do locatário. Ele jamais fazia isso. Todos os clientes da Imobiliária era como incógnitas para o Sr. Lopes. Mas não ousou falar sobre essa questão, pois não era da sua conta.

—Já encomendei o projeto de uma nova construção para o local da casa. Portanto, cuide logo da desocupação. — Sr. Lopes disse devolvendo o contrato ao administrador.

Sr. Lopes estava decidido a destruir o passado e a demolição daquela casa era a solução para isso.  Pelo menos era o que ele pensava naquele momento.

 

 

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Saindo da Imobiliária Sr. Lopes foi direto para o edifício da Andrade Empreendimentos & arquitetura sem avisar. Arthur o recebeu meio a contragosto e ficara ainda mais abalado com sua decisão.

— Quero que apresse o meu projeto. — Sr. Lopes foi logo dizendo sem rodeios, mal atravessara a porta de vidro e chegara até a mesa de Arthur.

— O senhor sabe que um projeto da grandiosidade do seu me custará de vinte a trinta dias úteis. Antes disso é impossível. Porque essa pressa toda? — Arthur perguntou tentando entender a atitude do milionário prepotente.

—Isso não importa meu jovem. — respondeu Sr. Lopes de forma rude o que surpreendeu Arthur. —Preciso de urgência porque pretendo demolir aquela casa o quanto antes. Não posso esperar um mês.

—Não pode? Pelo visto o Senhor nem imagina que criar um projeto envolve um monte de coisas. Não é assim em um estalar de dedos. — E fez o gesto diante do Sr. Lopes. Arthur que sempre mantinha o controle, de repente se viu perdendo a paciência com aquele senhor arrogante.

— O que aquela casa tem que precisa ser demolida assim tão depressa?

—Fantasmas... — Sr. Lopes disse abaixando a cabeça e , nesse instante, toda a sua prepotência pareceu se dissipar.

—Fantasmas? —Arthur não acreditava no que estava ouvindo. Aquele senhor só podia estar demente afinal já tinha idade avançada.

— Esqueça o que eu disse. Estou falando bobagens —S. Lopes pareceu, enfim, se dar conta do que tinha dito. O que aquele jovem estaria pensando dele? Que estaria maluco certamente.

— Sinto muito Sr. Lopes. Vai ter que aguardar e seguir os protocolos.

—Aguardar? Está brincando comigo meu rapaz? Você tem quinze dias para resolver essa questão. — Sr. Lopes disse simplesmente. O ar arrogante voltou a seu semblante.

Arthur o olhou atônito. Ele teve a impressão de ter diante de si não só um problema, mas um maluco em potencial que decidia simplesmente demolir uma casa que supostamente tinha fantasmas lá dentro. Tinha que haver um jeito de não demolir aquela casa. Na verdade depois de conhecer Lívia e saber que ela morava ali, Arthur havia pensado até em cancelar aquele contrato.

Ele sabia que a quebra de um contrato com aquele senhor lhe traria muita dor de cabeça e contratempos com a justiça e isso não resolveria a questão. Arthur havia percebido que para Sr. Lopes, a demolição era mais fundamental que o projeto em si. Era ao que tudo indicava uma questão de honra. E desconfiou que a história dos fantasmas fosse mais real do que se supunha. Não que acreditasse em fantasmas, mas em passados que ficaram marcados ou mal resolvidos. O que aquela casa escondia do passado de Sr. Lopes?

Quando Sr. Lopes deu seu ultimato e caminhou para a porta de vidro da saída segurando com dificuldade sua bengala de caminhada, Arthur seguiu atrás dele. A única solução era oferecer-se para comprar a casa e foi a essa opção que ele se apegou.

—Espere Sr. Lopes, precisamos conversar. Tenho uma proposta a lhe fazer.

Sr. Lopes virou-se e, levantando no ar a sua bengala disse em tom de ultimato mais uma vez:

—Você tem quinze dias para resolver essa questão meu rapaz. Sem propostas... — E diante do olhar estupefato de Arthur, saiu pela porta e entrou no elevador.

 

 


 

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