Clube do Contista

 

 

Aquela foto antiga

 Junto a sua sogra, estava Luiza na varanda olhando fotos antigas. Fotos de datas comemorativas, crianças brincando e viagens . Mas entre ela uma chamou sua atenção. O marido aparecia, ainda menino, ao lado de um homem. Com um chapéu de aniversário e um balão colorido. Parecia triste, não sorria. 

- Quem é  este? Nunca o conheci. E a sogra pegou a foto e olhou atentamente.- Ah, este é  o tio Marcelo, irmão do Jorge - Mas tão sério. E Alex parece não estar feliz.

- Ele amava muito o menino, mas era um cara muito fechado. Morreu cedo, num acidente de carro. Ninguém nunca entendeu. - Alex nunca me falou dele - disse Luiza - Era um homem pacato. E não largava Alex.  - É  uma foto tão séria, respondeu.  - Bobagem. Alex sempre foi assim Talvez seja isto que nunca percebi. Ele já demonstrava quem seria .A sogra era severa ao falar do filho, mas Luiza perturbou-se. Luiza teve um pesadelo naquela noite e acordou com dor de cabeça e indisposta para o café. As visitas a casa da sogra não eram boas,  sempre cheia de lembranças. Algo a incomodava naquela manhã.   

Porém voltou para casa bem, com as crianças cantando dentro do carro. A semana ia começar e ela não queria estragar nada com os seus questionamentos. Mas lembrou da foto de Alex sério ao lado do tio Marcelo quando entrou no apartamento e deparou-se com uma foto que tinha no aparador, logo na entrada, de Alex abraçando os filhos sorridentes. Abaixou a foto de forma instintiva.  Estava retomando a vida, se sentindo mais leve, reorganizando os cacos quebrados de sua existência.  

Na segunda tinha consulta com a psicóloga e falaria no assunto da foto se tivesse uma real importância. 

Luiza casou com Alex  apaixonada e eram felizes, logo vieram os filhos e a sua vida de menina solitária se transformou em felicidade plena. 

O marido trabalhava numa agência de publicidade como fotógrafo,  seu foco era marcas famosas e ganhava muito bem. Não faltando nada para a família, que cresceu, era modelo de perfeição.  Ele se tornou famoso com sua habilidade com as lentes e ganhava prêmios todos os anos. 

Mas perto de completarem 10 anos de casados , 4 filhos e uma casa quitada, tudo veio por água abaixo. 

Luiza em momento algum observou um comportamento diferente no marido. Ressalta sempre isto. Ele se ausentou um pouco, devido ao trabalho que se estendia sempre em casa no computador, mas nunca faltou às festas , aniversários infantis ou apresentação  dos filhos no colégio.  Seus horários eram sempre bem flexíveis no que dizia respeito à família e Luiza se orgulhava disso.

E numa tarde fatídica de sábado, dois policiais bateram no portão da casa. Luiza acompanhou o marido sem notar nenhuma característica de tensão nele. Tudo parecia normal, fora as duas viaturas paradas na calçada.  - Sr. Alex Moreira ? perguntou o policial  - Sim sou eu - respondeu o marido segurando firme a mão de Luiza. Seguro de si. 

-O senhor pode nos acompanhar a delegacia. Temos acusações contra o senhor. Pode vir espontaneamente ou teremos que algemá - lo. 

- O que é  isto? - retrucou Luiza  - o que meu marido fez ? - gaguejando agora - deve ser algum engano. - e reformulou - é  algum tipo de brincadeira?  Alex parecia calmo e tentou amenizar a situação.  - Querida, não se preocupe, com certeza é  algum engano. Ligue para o Juarez, para ele me encontrar lá.  Está  tudo bem. Eu não tenho nada a temer. Mas posso precisar de um advogado.  - Como o senhor quiser -  disse o policial ríspido e severo.  - Mas... mas... qual é  a acusação contra o meu marido ? Assim do nada ? Sem uma intimação? 

- Temos uma intimação, sim senhora. Seu marido tem sérias e comprovadas acusações de pedofilia. 

O mundo de Luiza desmoronou naquele momento como um castelo atingido por um exército inteiro.  

Entrou na delegacia acompanhada de Juarez e pode ver logo rostos conhecidos que a confortava.  Correu para eles na busca de respostas. 

- Vocês aqui? Estão sendo acusados também? O que será que está acontecendo ? - tentou abraçar a amiga que a repeliu tirando seus braços do encontro ao seu ombro.  - O que está havendo, gente ? 

- Luiza, você quer dizer que não tem noção nenhuma que Alex é  um molestador de crianças inocentes ? Pedra sobre pedra decaia a sua fortaleza. 

. E 3 dias se passaram, com pessoas entrando e saindo de sua casa. Os pais,os sogros, o avô  de Alex, outros parentes e até mesmo a polícia esteve lá,  uma vez para confiscar o notebook  de Alex e outra para intimá-la a dar seu depoimento. 

E as notícias viraram um escândalo.O renomado fotógrafo era um pervertido que abusava de crianças,  tinha um estúdio de fotografia onde levava crianças, para fotos seminuas. Crianças pobres que ele pagava pelas fotos. Álbuns e mais álbuns em seu computador de fotos que vendia e muita pornografia infantil. 

Até um homem chamado Pedro, que Luiza  nunca tinha visto, foi preso também como ajudante dos feitos de Alex. 

Tudo veio à tona porque a amiguinha da filha contou aos pais que o tio Alex tocou várias vezes em suas partes íntimas no seu aniversário. E o pai do amigo do judô de seu filho tinha uma foto comprometedora , onde ele posava com a mão dentro da bermuda do garoto, disfarçando que tinha perdido o equilíbrio. 

Alex já estava sendo investigado há algum tempo. Até que acharam o estúdio de fotos, localizado num prédio comercial no subúrbio. 

Luiza ainda achava tudo um engano, Alex  era um bom pai e marido. Tinham uma boa relação afetiva e sexual.

Na delegacia negava tudo que lhe falavam. Defendia o marido, queria vê-lo . Talvez se ouvisse dele uma confissão pudesse acreditar naquilo tudo. 

A proporção que a mídia avançava no caso só aparecia  mais coisas contra Alex. Os pais que recebiam dinheiro para que deixasse ele fotografar seus filhos começaram a falar .

Até que Luiza teve o direito de visitar o marido. Ela o encontrou com as mãos frias, o rosto machucado, tinha apanhado muito. Não sabia que seria a última vez que o veria. Queria  abraçá-lo e fingir , nos braços acolhedores dele, que nada estava acontecendo. Só tocou em suas mãos e manteve-se afastada depois. - Fala para mim, isto tudo é  um engano.?   - e ele ficou calado.  - Você não fez mal aquelas crianças, fez ?  - ele baixou os olhos - Você não é  um monstro...eu sei disso - naquele instante sentiu sua voz trêmula pois já não tinha certeza de nada. 

O encontro durou poucos minutos e se despediram sem se tocar. 

Na penitenciária, Alex foi assassinado pelos próprios presidiários. 

Seus filhos ficaram sabendo o menos possível. O avô  de Alex tomou a frente junto com seu pai, para que Luiza mudasse de casa. Indo para um apartamento em outra cidade.

Ninguém da família falava no caso. Tudo era tratado com uma dura formalidade. O fantasma de Alex assombrava a  família.  Estavam todos mudos de terror. O castelo em ruínas. Não havia mais sonhos e sim, pesadelos.

E com o tempo a vida tomou o cargo de aliviar o que fosse necessário. E Luiza não deixou de frequentar a casa dos sogros. Mas nunca falavam sobre o assunto. Só o amor enorme pelos netos.

Naquela segunda-feira, enquanto aguardava para a consulta com sua psicóloga, Luiza colocou a mão no bolso do casaco e para sua surpresa tinha trazido consigo aquela foto antiga onde o marido estava com o tio Marcelo. 

Entrou na consulta em silêncio apenas mostrando à psicóloga a foto que dizia tudo .


 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 23/04/2024
Código do texto: T8047862
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