aquele varal...

Aquele varal do teu quintal me diz que não mais podemos nos ver. Me diz mais. Me diz que reta simetricamente divide o meu e o teu pedaço de vida estendido ali em meio ao sol e ao vento e à chuva. Me diz que vida bem vivida não houve e que a espera assim como a presença é a ausência de algo que não se pode pronunciar. A mesma coisa que não deve se pronunciar. Me diz ainda que estradas eram feitas e percorridas simultaneamente e que não erramos os caminhos por termos a certeza de que partíamos para longe um do outro para não mais voltar e o medo de se ver era medo de se saber. Me diz que ainda é ranço o gosto na boca quando meu olho avista teus traços finos ao longe, em meio às gentes que me trazem as novas e as antigas e mesmas novas. Me diz que as vozes que ouço, os tons de tuas passadas, tudo confirma o traço da tua caligrafia escrevendo o teu e uma ponta do meu passado ligada ao teu. Os tocos de cigarros queimando o escuro da noite mergulhados por tuas mãos no copo com fundo de cerveja são nossos dois corpos mortos e sós. Solitariamente esquecidos um do outro, nunca tocados, nunca vibrando em sintonias ao menos parecidas. Nossos corpos mortos e sós nunca foram nossos. E aquele varal me conta que sempre soube desde a primeira visita que nada seria pleno, nada era como foi e tudo nem sonho foi desejo. Aquele varal sempre soube que eu e tu não somos nem água e vinho, posto que se misturam. Aquele varal sempre soube que tu e eu não somos nem água e óleo, posto que se precisam e juntos formam uma terceira lâmina. Aquele varal sempre soube que nós não houve entre nós, ao menos laço delicado e frágil em desmanchar-se. Aquele varal sob os céus viveu bem mais que tu e eu e sempre soube tudo o que não ocorreria entre dois seres ausentes um do outro. Aquele varal... tão mais sábio que tudo o que vemos e lemos e todos os dicionários de todos os idiomas juntos... entendia a linguagem do não haver, via secreta e mudamente o abismo colorido do qual nos atiramos para ter lá em baixo com a continuação do que era antes de tanto silêncio e fúria concentrada em não se dar. Até mesmo aquele varal sempre soube. E eu, prego insistente a enferrujar na madeira.