TROFÉU PÉ-DE-VALSA

10h15. Ao contrário de outras manhãs, ele nem esbravejou contra o barulho do despertador. Aquela sexta-feira parecia estar mais musical para Bruno Louzada.

Com um sorriso melodioso estampado nas faces passa o dorso de suas mãos sobre os olhos. Apura os ouvidos para captar melhor os melodiosos cantos dos pássaros no quintal de sua casa. Podia até sentir o delicioso perfume das diversas flores, de seu bem cuidado jardim, adentrarem pelo seu ventilado quarto de dormir. Dá uma espreguiçada e liga o rádio que estava ao lado da cabeceira da cama. O som que ouve faz com que inicie uma sessão de devaneios. Ainda sobre a cama principia seus costumeiros alongamentos de coxas e pernas.

O banho é demorado. Para a limpeza corporal usa fartamente finos produtos aromatizados da mais alta qualidade. Presentes de suas numerosas fãs. Após o banho outra parte importante do ritual diário. O escanhoar. Após barbear-se, a maciez do rosto parecia pele de bebê. Além de narcisista era uma pessoa extremamente perfeccionista. Com uma pequena tesoura, buscava eliminar os assimétricos pêlos dos bigodes e sobrancelhas..

Sua doméstica é Lurdes, uma gaúcha matronaça, detentora de uma simpatia singular. Lurdes, cuida de Bruno Louzada como se fosse sua ama-de-leite. Serve-lhe uma afrodisíaca gemada de ovos de codorna e catuaba. Sabe que ele necessita diariamente estar em plena forma. Ela é uma fã ardorosa do patrão. Considera Bruno Louzada um atleta da virilidade.

Como um bom narcisista que necessita de alimento para seu ego, Louzada abre seu elegante chambre e despreocupadamente com sua nudez, questiona Lurdes sobre um leve aumento adiposo em sua barriga.

— Lurdes, que tal? Não está muito proeminente esta minha barriga?

— Tu me perguntas se estás mui barrigudo?

— Sim, sim!!!

Lurdes que ouve esta mesma pergunta todos os dias, sempre tem uma resposta positiva para tranqüilizá-lo.

Hoje é um dia especial para ele. À noite será homenageado num dos clubes mais freqüentados pelos desquitados da capital paranaense.

Bruno Louzada, Louzadinha para o íntimos, era indiscutivelmente um excelente bailarino. Num salão, dançando, as pessoas paravam para ver sua notável performance. Parecia um toureiro. Um Tyrone Power na arena, no clássico filme: Sangue e Areia.

Com trajes típicos de assíduos freqüentadores das tabernas argentinas, ao som de boleros e tangos, Louzadinha era harmonicamente imbatível. Conseguia partilhar com a melodia, gestos estudados à exaustão, defronte ao espelho de sua casa. Lindas mulheres disputavam à tapa a honra de serem convidadas a dançar com ele.

Volta à frente do espelho e passa um creme após barba. Sorri. Não estava acreditando que hoje com sessenta anos, cabelos já grisalhos estivesse acontecendo este rosário de acontecimentos atípicos e tão prazenteiros.

“Papai estava errado. Ele costumava a dizer que a vida começa aos quarenta anos, só que termina com quarenta e um. Bobagem!”

Chega finalmente a esperada noite. Veste-se cuidadosamente, ao som de um tango de Gardel; olha com satisfação o brilho de seu sapato preto de cromo alemão. Nos lóbulos das orelhas asperge umas gotas do Polo Black. Volta ao banheiro penteia sua vasta e esbranquiçada cabeleira. Narcisamente, pratica uma série de olhares másculos que serão distribuídos às balzaquianas da noite, em profusão.

Louzadinha nos últimos bailes neste clube onde será homenageado, tem flertado com uma das fortunas paranaenses. Apesar de estar sendo correspondido nos falsos olhares fortuitos que lançava sobre ela, usava a tática da cautela para não assustar a milionária lebre. Hoje ele mais destemido olha diretamente para a pretendente e esbanja largos sorrisos para ela. Sente, porém, que de repente não está sendo mais correspondido.

— Será que ela está com TPM ou eu estou com alguma inadequação?” — Raciocina.

Por via das dúvidas, foi até ao banheiro verificar o penteado e roupas. Apavorou-se. Estaria recebendo a nefasta visita do padroeiro dos esquecidos: Alzahnmeir? Sim, pois ao observar se entre os dentes não estava algum vestígio de alimentos, não acreditou no que viu. Deparou-se com a enorme janela nos dentes inferiores.

Louzadinha, inadvertidamente, distribuíra largos sorrisos, banguela. Esquecera as malditas próteses dentárias em casa. Restou-lhe a sábia decisão de saída à francesa do clube.

2/6/2007 13:41:57

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 06/01/2008
Reeditado em 07/01/2008
Código do texto: T806122