A cigana do espelho

Alguns diziam que ela era a mulher mais bela que existira em toda a região da Província de Mengávia. Os homens se deixavam tomar pelos encantos da dona. Aqueles que eram solteiros não queriam mais saber das moçoilas no seu auge jovial e perdiam-se de amores pela cigana que encantava com a sua beleza. Homens casados seriam capazes de abandonar a família para viver um instante de amor que, por mais ínfimo que fosse valeria por toda uma vida.

Assim corria pelos quatro cantos da região a mística da formosura dessa cigana que era uma mulher simples e honesta. Nunca traíra o marido com quem era casada, pelo que se sabe desde que lá chegaram. E isso já fazia uns três anos.

Com os boatos acerca da sua beleza e as faces dos marmanjos embevecidas no momento em que ela passava para ir cuidar das suas atividades sociais, começou a despertar um certo ciúme por parte das mulheres da Província.

No mercado, que só empregava mulheres, ninguém queria atendê-la. E isso se repetia em todos os lugares aonde ela ia.

Diante da recusa por parte da maioria das pessoas, todas mulheres, a cigana se confinou em sua casa e não saia mais para nenhum lugar. O marido era quem cuidava de fazer as compras. Assim a paz voltava a reinar.

Alguns meses se passaram e num desses dias chuvosos, a maleita levara o marido da cigana a dormir o sono infinito que todos dormirão algum dia. A cigana chorou muito e sentia a falta do companheiro que partira.

Tendo a notícia da morte do consorte se espalhado, alguns homens ficaram esperançosos na expectativa de enfim conseguirem desposar a tal cigana. E voltou o tormento do ciúme por parte das mulheres.

Agora que tinha que andar pelas ruas, a dor a consumia, não bastava a da perca do marido e ainda somava a da rejeição das pessoas, dentre elas mulheres e agora alguns homens que se sentiam ofendidos por ela não lhes dar bola.

A solidão, a dor e a angústia tomaram seu coração e sem poder sair de casa, ficava ainda mais infeliz.

Passou quatro meses nesse isolamento até que veio a falecer por males decorrentes de má alimentação e depressão. A notícia logo se espalhou. Todas as mulheres rumaram na direção da casa da cigana para ver o seu infortúnio. Quando chegaram, ninguém a reconheceu. Estava horrível. Uma delgada pele cobria-lhe os ossos da face deixando-a com uma aparência fantasmagórica. As gargalhadas ecoaram por toda a região. As invejosas cochichavam sobre a desgraça da cigana que um dia fora a mais bela mulher de Mengávia.

Com a sua morte, as mulheres voltaram a se entregar aos caprichos da vaidade e tentavam seduzir os homens. Mas começou a acontecer algumas coisas estranhas na região. Algumas mulheres consideradas bonitas apareceram mortas e ninguém sabia a causa. Só se sabe que eram encontradas sempre perto de algum espelho. E assim foi acontecendo sucessivamente até sobrar apenas algumas mulheres na Província.

As autoridades começaram a se preocupar e resolveram decifrar o mistério. Montaram guarda na casa das mulheres restantes para tentar averiguar o que estava por trás das mortes das outras. Mas não conseguiram ver nada.

O marido de uma dessas mulheres que ainda restavam, preocupado com o mistério das mortes e temendo pela sua esposa, resolveu ficar toda noite acordado para tentar evitar que acontecesse o pior. A mulher tinha o costume de levantar todas as noites para fazer as necessidades fisiológicas e o fulano ia atrás escondido e ficava a espreitá-la na porta do banheiro.

Um dia, a mulher entrou no banheiro e demorou a sair. Passaram-se alguns minutos e o marido começou a ficar preocupado. Bateu na porta, mas não obteve resposta. Depois de algumas tentativas, resolveu arrombá-la.

Quando entrou ficou estupefato com a cena que vira. Sua mulher, depois de fazer o que tinha que fazer resolveu dar uma olhadinha no espelho para conferir a sua beleza. Assim que bateu os olhos deparara não com a sua imagem refletida, mas com a imagem da cigana com toda a sua beleza.

A mulher vaidosa, ao invés de ficar com medo de ver aquele rosto que não era o seu, fixou cada vez mais os olhos naquela imagem e começou a achar que ela estava tão bonita que estava mesmo parecendo com a cigana que havia morrido. Olhava e se admirava cada vez mais defronte do espelho. E a imagem sorria para ela. Só que, quanto mais ela admirava a face do espelho, mais se consumia na realidade. Seu rosto ficava magro e feio. Dentro do espelho, uma beleza inatingível. Do lado de fora, uma face que ia se definhando na medida que desejava ser mais bela ainda.

O homem, ao ver aquela cena, deu um grito de horror e saiu correndo pelas ruas da Província. E a mulher caiu inerte no chão logo abaixo do espelho voltando a ter a aparência que tinha antes.

Márcio Ahimsa
Enviado por Márcio Ahimsa em 08/01/2008
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