O Pescador [Contos de Cidade Pequena]

É possível chegar a cidade pelo acesso na direção de quem vem da cidade grande, ou pela ponte na direção que não leva a lugar algum, mas sim a algum lugar no sentido oposto ao da cidade grande.

Pela ponte passa gente, carro e bicicleta, por baixo dela o rio, ou algo que um dia já foi. Afinal cidade pequena também polui, já que aqui também se consome coca-cola ainda que em garrafas de vidro.

No entanto quem ainda guarda a lembrança do tempo que nas águas desse rio se podia nadar, certamente lembra do velho Venceslau o pescador. Não era difícil contemplar essa ilustre figura no comprimento de seu ofício quando se atravessava a ponte e por algum motivo dirigia-se a atenção para as águas silenciosas que cortavam a terra árida daqueles campos.

Nessa época a transparência e pureza daquele leito, permitiam que o velho pescador ainda retirasse da fria água seu peixe de cada dia, hoje quase não se encontra peixe nas águas turvas, na verdade quase não se encontra água e quando se encontra peixe e água eu recomendo a quem um dia visite este lugar, “Deixe que ele vá, pois o que não se procura em suas entranhas ha de encontrar”.

Este velho pescador juntamente com Antônio Consuelo o coveiro, são as figuras mais míticas que já passaram por esse lugarejo em lerdo desenvolvimento, sobre Consuelo falo em outra oportunidade, mas dizem que ele vira Lobisomem em noites de lua cheia.

Conta-se que Lau, como era conhecido o velho pescador nas feiras de domingo, não era uma pessoa qualquer já que com quase oitenta anos o velho guiava com precisão absoluta sua canoa de pau e não se detinha se por algum motivo precisasse se atirar nas águas frias do rio e lá nadava como “peixe dentro d’água”.

Reza a lenda que sua mãe engravidou depois de um encontro com o boto, em noite de lua cheia, na época o pequenino Lau exímio nadador desde bebê, foi criado em companhia do temido “Caboclo D’água” que foi escolhido pelo pai como padrinho da criança. E por isso os peixes vendidos por Lau na feira eram os mais belos e mais gordos, benefícios concedidos por sua influência na sociedade hidrófila.

Outros ainda especulavam que quando o pescador entrava n’água surgiam nadadeiras em suas pernas o que explicava sua agilidade nas águas do rio. Às criancinhas teimosas se contava que Lau viria pegá-las se não comecem o repolho e levá-las como oferenda para o Caboclo para que continuassem a lhe proporcionar os melhores peixes para a Feira.

O que há de verdade nesta estória ninguém sabe, mas é certo que hoje depois que o rio tornou-se cada vez mais sujo e água cada vez mais turva a saúde de Lau foi tornando-se progressivamente débil.

“Seria o rio o sangue do velho?

E se morre Lau? Seca o rio?

E se seca o rio? Morre Lau?”

Perguntavam-se os mais antigos na feira quando passavam pela barraca de “Hot Dog” onde ha alguns anos o velho Lau vendia seus peixes gordos.

Hoje domingo o fervilhar da feira agita a praça ao lado da matriz vendem-se pasteis, legumes, frutas e outras coisas que se procurar, a não ser que se procure peixe, esse na feira de domingo não se vai encontrar.

Enquanto isso a poucos metros na matriz meia dúzia de falsas choronas soluçam falsamente o falecimento do velho, que na madrugada desse domingo “partiu para águas mais profundas” segundo as palavras do padre Carlos em seu sermão na breve missa fúnebre que encomendou o velho pescador.

Às quinze horas o cortejo fúnebre parte da matriz, sobre o Sol algoz dos tempos de aquecimento global, que não poupa cabeça ou parte alguma e castiga rico ou pobre, pescador e lavrador e queima o coro e coração dos que amam a terra verde.

“Jaz aqui Venceslau, encerrado na terra árida a simplicidade de um velho pescador que outrora contou com o frescor das límpidas águas do manancial, que Jaz abaixo da ponte”