VÍRUS DOMÉSTICO

Querida mana,

acho que já estou dominando bem o tal de correio eletrônico, não acha?

Tenho recebido e enviado um montão de e-mails. Tem de tudo. Espiritualidade, comunicado de vírus, sacanagens, criança que sumiu, vendas diversas, “sarrafo” no governo, etc. É tanta coisa que nos atemos em colocar: Repassando ou Repasso; este e-mail é muito bom; superlegal; hahahahah ou rssss!!!

Sinto que já não é necessário nem mais mandar abraços ou colocar meu nome no final. Afinal, tem e-mail que nem escrevo nada. É tanta coisa para ler e remeter que não dá para perder muito tempo. Caso tenha mandado algum, nessa base, não fique grilada.

Não sei o que seria da minha vida sem este computador. Impressionante como perco a noção das horas quando venho aqui para meu cantinho “teclar”.

Ontem de madrugada, meu marido quase que me pega namorando numa “sala de bate-papo”. A sorte que ele estava de “fogo”. Acho que pela primeira vez na vida me deu vontade de conhecer a pessoa com quem “teclava”. Que moço amável. E pela conversa, além de bonito, é elegante e rico. Nossa conversa “batia” direitinho. Não sei se vou resistir muito tempo. Só o achei um pouco avançado; ontem foi a quarta vez que conversamos através da máquina e ele já me deu uma “cantada”. Tá certo que não foi grosseiro, mas,... Sei lá, vamos dar tempo ao tempo... Se for para acontecer, vai acontecer. Igual aconteceu naquela novela que assisti uns tempos atrás.

Meus filhos é que estão me preocupando um pouco. Já peguei o Zé Luiz com um cigarro na boca. Apanhou e entregou a irmã, que dorme sempre na casa da sua amiga. Disse que ela, quando dorme fora, aproveita para tomar uns porres de cerveja. Pode? Claro que a culpada, aí, passa a ser eu. Dizem que só quero saber de “navegar”; que não dou mais bola pra marido e nem pra filhos...Mereço isso?

Já cansei de me incomodar com tudo aqui dentro de casa. Cada um que se vire. Já estão bem crescidinhos, doze e treze anos, já sabem muito bem o que querem, não é mesmo?

O pai não está nem aí. Só chega de madrugada e, invariavelmente, bêbado! Não sei o que seria de mim sem esta “máquina”. É minha única distração! A propósito, por esses dias, tenho que achar um tempinho para ir visitá-la, lembrei-me do seu aniversário hoje. Parabéns!

Puxa! Já se passou um ano. Não a vejo desde sua última festa natalícia.

Tem visto nossos pais? Devem estar “bufando” de raiva de mim. Faz quase três meses que não vou lá.

Conseguiu emagrecer com aquela dieta da Lua que lhe enviei o mês passado?

Beijinhos,

Sulnara.

Enquanto isso, em uma caixa encefálica anônima de um internauta qualquer, na região do SNC — Sistema Nervoso Central —, neuróticos neurônios tentam metabolizar e classificar a Internet.

Por se tratar de uma droga praticamente nova, pouco ainda se conhece dos seus malefícios. Até onde se sabe, ela é capaz de dirimir dúvidas quanto a personalidade, cultura, caráter, honestidade e gosto dos integrantes da rede. E que, com pouco tempo de uso, teme-se a condução, da maioria dos usuários do planeta, a uma dependência psicológica severa e com a possibilidade de uma insanidade permanente e irreversível.

Este texto está inserido no livro: A Renúncia da Prefeita" do autor.

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 19/01/2008
Código do texto: T824597