A janela

Tantos anos e a mesma janela raiando o mesmo dia azul triste. O horizonte pouco modificado por árvores crescidas vagarosamente como os paços da velha se arrastando pelas ruas de terra batida a vender o queijo lavado por suas mãos tão encardidas. Quinze filhos. Seis nasceram mortos. Os dois últimos, ao verem o mundo fecharam os olhos para eternamente. Outros alguns minguaram como a água de poço que seca aos poucos deixando à vista apenas um fio de vida até desaparecer sugada pela terra. Um, foi para a cidade grande e desapareceu no vento sem mandar sinal. Uma única filha de tantos rebentos, casada com não se sabe quem, viveu até parir a morte. Foi enterrada abraçando a vida desfeita. De tantos, apenas um restou para lembrar algum dia feliz de quando o velho homem ainda vivia a carpir terras alheias a levar batata e cebola para casa de quando em quando para fazer um refogado com as galinhas do quintal. Galinha nenhuma sobrara daquele tempo. Foram comidas uma a uma até não sobrar pena. O menino, com algum problema indefinível, tinha os olhos puxados e as bochechas inchadas. Não falava direito, não ouvia direito, mas ordenhava a cabra velha como ninguém. Arrancava o leite do animal com devoção de missa das seis. Separava a nata amarelada gordurosa e enchia os vidrinhos embaçados pela água do poço entregando à mãe. O fogão de lenha sempre aceso cozia algum pouco doce de leite adoçado com mel das flores do quintal que insistiam nascer mesmo sem chuva para alimentar. A velha com a mão no tacho coalhava o queijo com o suor dos anos e logo ao nascer o dia saía para vender um bocado do seu cansaço. E a janela paralisada no tempo de asas abertas, vê a velha caminhando, arrastando os dias tristes como o céu que não cansa de amanhecer.

Paula Cury
Enviado por Paula Cury em 09/12/2005
Código do texto: T82759
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