PIPOQUEIRO BEBUM [Contos de Cidade Pequena]

Na sombra da Sibipiruna da praça da matriz, quando acaba a missa matinal de domingo, ou na porta da escola primária durante a semana letiva, certamente se encontra o pipoqueiro.

Seu sorriso espontâneo e docilidade, contrastam com a voz rouca e o corpo magrelo típico de homens solitários, no entanto exerce um fascínio tão incrível sobre as crianças, que é raro vê-lo sem a companhia de uma delas, mesmo quando com seu carrinho já vazio, volta pra casa a fim de remoer uma solidão já bastante ruminada.

É espantoso para os mais jovens, que não têm lembranças mais remotas daquele homem, vê-lo sem seu instrumento de trabalho, como se de alguma forma, o carrinho repleto de guloseimas, já fizesse parte da imagem que se tem gravada na mente de Oswaldo o pipoqueiro.

Aos leitores habituados com a comodidade do micro-ondas, e por tal não sabem bem ao certo o que faz um pipoqueiro, explicarei. Trata-se de um senhor ou senhora, que em um carrinho de metal vende em festas ou aglomerações guloseimas como pipocas, batatas, balas e algodão doce.

Contudo, nem sempre sua vida foi assim, um passado sombrio se esconde por detrás daquela serena figura. Em outros tempos onde hoje é o açougue de frente a padaria de Sebaldus (Mais informações em; Sebaldus o padeiro traído – T498104), Oswaldo tinha uma venda, e de lá com sua esposa Marilda, tiravam seu sustento.

Suas vidas eram pacatas e simples, e a venda era suficiente para manterem uma estabilidade financeira e emocional, no entanto, em algum momento de sua vida, a pratica parcimoniosa de tomar uma pequena dose de cachaça ao fim do expediente, que ele chamava de; “Biritinha pra relaxar”, tornou-se um vício grave, e a birita que antes aliviava o cansaço e alegrava o espírito, tornou-se uma bebedeira incontinente que o levava para casa cambaleante só lá pelas nove, duas horas depois de fechada a venda.

Este triste demérito do carismático vendeiro, incomodava severamente sua esposa Marilda, e já esgotava sua inquebrantável paciência, a ponto de certa vez quando chegou novamente bêbado em casa , adverti-lo:

_ Escuta aqui seu sacripanta – mesmo Oswaldo não fazendo idéia do que significava isso – trate de acabar com essa vagabundagem ou pego nossos filhos e vou para Goiás!

De fato, a possibilidade de perder a esposa e simultaneamente a presença dos filhos, corrigiu de forma impressionante o vício do então vendeiro.

Porém como se sabe, vício é sempre vício, e a perseverança do infeliz vendeiro não subsistiu a maiores provocações, acabou por sucumbir de forma lamentável à tentação da bebida.

Como prometera Marilda, a reincidência do marido na bebedeira levou-a a arrumar suas roupas, as dos filhos, pegar todo dinheiro do caixa da venda e fugir para Goiás no noturno ¹ da noite seguinte, e dela ninguém nunca mais teve notícias.

Aquele foi seu ultimo derradeiro porre, desde então se quer provou uma única gota de álcool, mas então já era tarde, e seu coração dilacerado pela perda da família, jamais recuperaria a jovialidade de outros tempos.

A culminância desta história, ocorreu não muito depois da advertência de Marilda, quando o prefeito convocou os mais notórios comerciantes, para se responsabilizarem pelas barracas na festa de rodeio, que ocorreria em algumas semanas.

A barraca de Oswaldo, era bem em frente a escadaria central da arquibancada, e devido a privilegiada posição, teve por conseguinte o maior fluxo de fregueses de todo o parque.

O Incidente que levou a separação do casal, ocorreu no domingo, último dia da festa que iniciara na quinta. Carlinhos o filho mais jovem do casal, foi acometido de uma disenteria intensa que impediu Marilda de acompanhar o marido na barraca, mas deixou recomendações inflexíveis:

_ Anotar! Apenas para fregueses da venda. Ouviu Oswaldo?

A proximidade do álcool e a ausência da esposa, foram mais fortes que sua determinação e trouxeram um único pensamento; “Só uma dose não há de fazer mal”.

Foi encontrado pela própria esposa, quando o Sol arregalado no alto do céu, marcava alguma hora próxima ao meio-dia, dormindo na poeira do chão da barraca, com um hálito insuportável de cachaça, e fazendo como travesseiro um caderno de anotações que dizia numa caligrafia trôpega; “um cunhaque e um maço de cigarru pro cumpadi da égua baia, oito dose de pinga pro cumpanheiro do violão, um guaraná pra cumade de vermeio e um churrasquinho pro minino dela, outro churrasquinho pro minino da cumade ...”. Seguindo descrevendo da mesma forma mais sessenta e três doses de pinga, dezessete doses conhaques, trinta churrasquinhos, vinte e nove guaranás e terminava com; “mais uma dose pru pião da urtima muntaria”.

1. Era como se chamava no interior de Minas Gerais, o trem de passageiros que viajava a noite.