A chuva - Parte final

A chuva - Parte final

Continuação...

__Bom dia, meu amor! - Disse com a voz característica dos tolos apaixonados. E continuou, com aquele timbre de voz, que a gente usa quando fala com portadores de síndrome de Down - Te amo tanto! Você é a primeira imagem consciente que tenho ao acordar pela manhã, e a ultima que percebo no desmaiar do meu sono.

Usou a palavra “desmaiar”, julgando que daria um tom poético a declaração de amor, mas quando ouviu a sua própria voz pronunciando a frase, se sentiu ridículo.

Lá fora, um sol vigoroso de uma manhã ainda úmida pela chuva recente, desenhou em cores vibrantes um arco íris no céu claro.

Os raios solares incidiam no asfalto molhado, fazendo com que donas de casa, que voltavam das compra no Wall Mart, cerrassem os olhos, provocando rugas, em suas respeitáveis testas de senhoras donas de casa.

Se estivesse na rua, entre as pessoas, teria notado que com o fim da chuva e com aquela explosão de luz, o movimento tinha se intensificado, tornando-se mais frenético. As pessoas pareciam estar mais tensas.

__ Não da mais! Acabou! - Disse Marcelinha, como quem tira um fardo incômodo das costas.

__ Não dá mais! Acabou! - Escutou como se fosse um soneto, o tolo apaixonado.

__ O que não dá mais? O que acabou? Diz pra mim docinho. - Perguntou como quem se preocupa em parecer terno a uma criança de três anos.

__ Acabou a nossa relação! Não dá mais pra ficar com você.

__ Como assim? Relação? Ficar comigo? Não entendi! - Disse, mudando o timbre de voz, para aquele timbre informal, que a gente usa quando fala com a garota bonita do caixa do supermercado.

__Olha cara, você me sufoca! Sua carência me sufoca! Você diz me amar, mas você só ama a você mesmo. É egoísta a forma como você me deseja. Eu não quero mais ser um remédio para a tua felicidade. Eu não suporto mais o fardo de ser a pessoa responsável pelo seu bem estar.

Enquanto dizia isto, a Marcelinha ia ficando cada vez mais aliviada.

__ Você está brincado, não é meu amor? - Questionou, voltando a usar aquele timbre de voz patético.

__ Eu não quero – já totalmente sem culpa, e segura de si, ela continuou com a voz macia e suave, porém firme – alguém que precise de mim, quero alguém que me deseje. Eu não sou e não quero ser a tua alma gêmea, o que eu busco é companhia nesta viagem pela vida.

__ o que foi que aconteceu? Aposto que aquele canalha do seu ex-namorado voltou do exterior, não é mesmo? - O tom de voz, agora era aquele formal, que a gente usa no supermercado, quando o caixa não é uma garota bonita.

__ Não tem namorado e nem ex-namorado nenhum, e você sabe disto. Eu não te suporto mais. Você não é capaz de amar. Você não ama nem a si mesmo. O que você sente é auto piedade. O nosso relacionamento é baseado no medo que você tem de ficar sozinho e ter que conviver com você mesmo. Nem você pode se suportar.

__ Você não pode estar falando serio. - Disse em tom mais grave, meio rude, bem próximo daquele tom, que a gente usa quando o atendente do caixa, não é uma garota bonita, mas sim um marmanjo mal encarado, e o estabelecimento não é um supermercado, e sim um estádio de futebol.

__ Caia na real! Não dá mais!

__ Vaca! Maldita! Vadia! Piranha! - Berrou como se já tivesse passado pela bilheteria do estádio e se encontrasse de pé, na arquibancada xingando o juiz da partida, independente de ele ser uma garota bonita ou um marmanjo mal encarado.

__ Não gostaria de brigar com você. Na verdade tenho carinho por...

__ que se dane o teu carinho!

__ Vou desligar. Não quero ser ofendida e nem te magoar. Apenas falei tudo isso, porque não agüentava mais, e também porque creio que isto te fará bem. Afinal o que não nos mata, nos transforma. Vou desligar...

__ Você não tem o direito de fazer isto! São três anos de relacionam...

A fúria que o fez lançar o aparelho celular contra a parede, quando entendeu que ela havia desligado, foi à mesma fúria, que o impediu de notar que, lá fora, o Sol irradiava luz através da atmosfera carregada de moléculas de H2O, formando arcos coloridos.

O seu egocentrismo, também o impediu de perceber que as pessoas são únicas. Que não existem metades perfeitas, que somos todos incompletos, porém indivisíveis. A Marcelinha fôra inventada pela sua mente tendo como referencia o seu próprio modo de pensar.

O seu olhar carregado de fúria, olhava, mas não enxergava o céu azul colorido pelo arco íris.

Lá embaixo, na calçada, um advogado e um bombeiro hidráulico caminhavam felizes, já que agora, não se molhavam naquela chuva feia, desagradável, fria e gosmenta.

Os condutores de veículos leves, chovendo ou fazendo sol, continuavam reclamando irrascivelmente, pois os motoboys, também continuavam arrancando seus retrovisores, que, na verdade, eles nunca usavam mesmo.

No Wall Mart havia muitas donas de casa, algumas com os pés molhados pela chuva recente, e outras com as respeitáveis testas franzidas, os olhos cerrados, se protegendo da luminosidade.

Em uma igreja evangélica, um pastor recolhia o dizimo de seus fieis, porque era isto que ele sempre fazia. Não importando se, sobre o seu teto, chovesse ou fizesse sol . Recolher o dízimo era o seu trabalho, e nem a chuva ou a luz do sol o impediria de fazer a parte que mais gostava no seu trabalho.

Em uma televisão em uma vitrine do Wall Mart, a garota da metereologia, dizia que a frente fria que provocou a chuva da manhã, se dissipou em contato com uma massa de ar tropical vinda do oceano.

Um homem tolo, furioso, acendeu um cigarro e visualizou seus alvéolos ficando ressequidos com a fumaça inalada, e disse naquele tom que a gente usa quando estamos derrotados:

__Que se dane os meus alvéolos!

milimetro
Enviado por milimetro em 29/01/2008
Reeditado em 03/06/2009
Código do texto: T837777
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