Heroi Sertanejo [Contos de Cidade Pequena]

Muitos passam por aqui mas só de passagem, em cidade pequena ninguém fica de morada, são os novos tempos...

No entanto todos que passam pela faixa de asfalto, se deparam com a velha placa enferrujada que indica; “Cantarel”. Cantarel é um pequeno arraial do município, a uns dez quilômetros da cidade, começou com a chegada da estrada de ferro nos anos quarenta, algumas casas foram erigidas para abrigar as famílias dos maquinistas, já que ali foi construída a primeira estação de trem da região, outras pelos fazendeiros das proximidades, atraídos pela escola e o posto de saúde.

Naquele tempo, o município era próspero e movimentado e todos acreditavam que o progresso era eminente, o passar dos anos tratou de ser ferrenho e descrentar os crédulos no progresso.

Ali, no Cantarel, viveu o homem mais valente que já se ouviu falar na comarca, José Joaquim Garcia, ou como ficou conhecido na sua juventude “Zé Peixeira”. Freqüentador assíduo da venda de dona Guilermina.

Apesar da sua valentia, Zé Peixeira não era um homem mau, e sim um trabalhador honesto e dedicado que contava casos de assombração àqueles que paravam para escutá-lo sentados na varanda da venda nas noites enluaradas.

Pelas bandas do Cantarel também morou o Joca, um mandrião esperto que levava galinhas roubadas para vender na cidade vizinha, sustentando com isso seu gosto viciado e aguçado pela boa cachaça de dona Guilhermina.

Era uma daquelas noites de inverno quando o frio já dói nas ventas, e lua arregala cheia no céu por volta das sete sem nem uma nuvem para atrapalhar seu brilho ostentoso.

Nessa noite o Zé Peixeira chegou pelas oito, e se assentou na rabeira do fogão, que fervia um pirão de pé de porco engrossado com farinha de mandioca. Num canto já espalhafatoso o Joca contava vantagem dos seus feitos de pilantra, se enveredando por aquela prosa lerda até altas horas quando a cachaça já lhe roubara a razão.

_ Vendi a última ainda ontem – se referindo as galinhas que roubara na fazendo de Amâncio o crente, que plantava abóboras em uma fazenda do município vizinho – Foram dezoito seis por noite, e ele achando que eu queria escutar o culto. – Disse soltando uma gargalhada sonora.

Trabalhador como era, Zé Peixeira, não se abeirava do Joca, que considerava como uma figura repugnante e tola, mas naquela noite a mesa onde o safado sentara estava muito perto do fogão, e não pode deixar de ouvir os absurdos que o pilantra contava em seus pormenores, e que divertiam aos de mesma índole.

_ Dona Guilhermina, a senhora deveria selecionar melhor as pessoas que aceita na venda, ainda te roubam aqui. – Falou o Peixeira, se referindo ao Joca indiretamente e com desdém.

O olhar atento de Zé Peixeira e sua introspecção silenciosa naquela noite, haviam notado mais do que se imaginava na figura do Joca.

_ Por acaso o amigo está se referindo a mim? – Retrucou Joca, exaltado pelo excesso de álcool no sangue.

_ Me refiro àquele em quem a carapuça enterrar.

Os ânimos já se exaltavam, mas Peixeira ainda permanecia imóvel, exceto pelo prato de pirão que resolvera deixar de lado.

_ Então que o senhor prove o que está insinuando! – Desafiou Joca já empunhando um facão que trazia a tiracolo.

Vagarosamente se levantou e tirou da bainha um pequeno canivete que usava para picar fumo, enquanto dona Guilhermina apavorada, já ia chamar os filhos para ajudarem a conter a tragédia iminente.

O calor da ira que consumia o safado contador de vantagens, fê-lo se precipitou afobado em direção de Peixeira, com o facão levantando como quem arma um golpe que nunca foi dado. Seu adversário calmo e lúcido, acostumado com a valentia dos bebuns, aproveitou a vantagem que lhe conferia seus reflexos e num movimento ligeiro tirou o corpo da mira da lâmina e deixou o pé como tropeço. Joca sentiu seu corpo pender desequilibrando para frente, quando o bico da botina prendeu no calcanhar de seu adversário, e antes que o corpo do salafrário caísse no chão de cimento natado, Peixeira cortou-lhe o cinto com o canivete de picar fumo que trazia na mão.

Quando dona Guilhermina retornou, Zé Peixeira já havia voltado ao seu prato de pirão, sentado da mesma forma que esteve desde o início da noite, comendo como se nada o houvesse acontecido.

E o Joca desengonçado, tentava se levantar do chão frio, sem notar que lhe haviam cortado o cinto. Quando finalmente se pós de pé, suas calças frouxas caíram chão abaixo deixando, amostra um par de pernas finas e as ceroulas remendadas com um trapo de chitão, além de 8 bananas duas laranjas e um metro de lingüiça seca, roubados da despensa de dona Guilhermina. Desde então, nunca mais se ouviu falar no Joca nessas paragens.