O Lobisomem que plantava rosas [Contos de Cidade Pequena]

Quem vê Antônio Consuelo, sentado sempre no mesmo lugar nas missas de domingo, naquele desgastado banco ao lado da janela que ilumina o presbitério, se quer imagina o quanto aquela aparentemente inocente figura é temida, por crianças e adultos supersticiosos.

Antônio Consuelo é o coveiro da cidade, há tantos anos que já se perdeu a lembrança nas mentes mais envelhecidas da cidade de como o velho se iniciou na profissão, e há quanto tempo ele afofa a cama eterna dos defuntos desse lugar.

Em se tratando de histórias como a de Consuelo, sempre existe uma gama muito extensa de versões, contarei aqui aquela mais comum e que ainda se conta, em rodas de prosa nas casas ou lugares onde a televisão e a Internet recém chegada, ainda não silenciou o diálogo familiar.

Segundo conta-se, sua mãe foi uma cigana espanhola que se casou com um antigo lavrador da cidade, e teve quatro filhos, fixaram residência em algum lugar nas proximidades da abandonada estação de trem, onde Antônio Consuelo ainda cultiva um solitário jardim de rosas plantado na sombra de uma velha jabuticabeira, que talvez ainda guarde memórias de sua infância.

Os lugares citados acima são de fato reais, quem toma a rua principal e segue até o final dela em direção aos bairros mais afastados, há de chegar na velha estação que outrora mantinha a cidade agitada, cheia de novidades e caras novas, de lá se pode avistar uma frondosa jabuticabeira plantada na meio de um descampado que segue em declive até as matas ciliares do córrego, ali de uma forma curiosa Antonio Consuelo planta rosas em um canteiro que recebe a luz da manhã e é protegido pela fresca sombra da jabuticabeira nas horas mais quentes do dia.

Mas voltando a história. O ultimo filho daquela cigana de hábitos atípicos para a região foi o próprio Consuelo, que segundo a estória foi concebido em uma noite de sexta-feira da paixão o que o levou a herdar a maldição, de virar lobisomem em todas as noites de lua cheia.

Segundo conta-se quando na forma licantrópica, o coveiro anda como quadrúpede mas ainda assim consegue se manter de pé quando parado ou para percorrer distâncias pequenas, tem a pele recoberta por pelos ralos mais grossos, seu nariz transforma-se em um focinho protuberante e seus dentes convertem-se em uma carreira de presas e molares serrilhados e seus olhos brilham vermelhos como brasa. Além disso sempre sobe à meia-noite no morro da antiga capela de São Sebastião, não muito longe de seu canteiro de rosas, a fim de uivar para a lua cheia e depois segue para caçar suas vítimas.

Outros ainda contam que Consuelo foi casado há muitos anos, e teve uma filha, mas em uma noite de Lua Cheia sua esposa tomada por uma febre que a deixou de cama, não pode amarrar o marido antes que se tornasse a fera descontrolada e nessa noite Consuelo devorou sua família e enterrou aos prantos os restos mortais dos seus no terreno onde vivera quando criança é lá plantou um canteiro de rosas.

Se tais coisas são verdade realmente é impossível declarar no entanto, nesse exato momento a lua é cheia e escrevo na mesa do bar do Paulão não muito longe do cemitério onde fica a casa de Consuelo, quem sabe lá dentro o velho tenha se amarrado para evitar a ferocidade da besta. Mas nada ouço, uivos ou rugidos, e daqui não vejo nada da casa do velho senão o canteiro de alfaces, que brilha a luz da lua.