O vendedor

Um dia, melhor dizendo uma noite, estava andando pela rua quando me deparo com um vendedor de picolé, um velho magro, com um chapéu que lhe escondia todo o rosto, via-se apenas os olhos brilhantes e o branco dos dentes, que por sinal garantiam ao velho uma imagem de saúde contrastante ao corpo magro e mal cuidado.

Perguntei-lhe por que vendia picolés a noite, sendo que fazia muito frio e pela aparição frequente de um guarda-chuva sob posse de um casal de namorados saindo do cinema ou do teatro indicava um certo medo da chuva.

Com muita calma e com sua voz grave e forte de vendedor de rua o homem rindo respondeu-me.

Ora, meus picolés são mágicos, são quentes quando está frio, frios quando está quente, servem de acordo com o propósito de cada pessoa. No seu caso por exemplo, que está só no meio da noite, com a mente cheia e o coração vazio, seria muito bom um picolé de chocolate, isso iria te alegrar um pouco, colocaria rumo em sua mente desgovernada, encheria seu peito de felicidade, te ajudaria a pensar melhor, a tomar a decisão certa.

Confesso que fiquei desconfiado demais, mas a propaganda era mesmo boa, não acreditando nas palavras do velho eu comprei o tal picolé de chocolate, afinal ele tinha adivinhado como eu me sentia.

Era gelado, normal, e alem do gosto de chocolate e da dormência na boca nada de diferente me aconteceu. Não digo que fiquei chateado com o vendedor, afinal a carisma e a propaganda criativa foram quem me fizeram comprar o tal picolé.

Fui dormir com a certeza de que iria ficar gripado.

Na noite seguinte, passando pelo mesmo lugar encontrei o tal vendedor, dessa vez resolvi não falar nada, apenas sorri cordialmente um sorriso amarelo típico de quem cai numa pegadinha.

O velho sorriu de volta, mas ele não se deteve em um sorriso.

Ora, o picolé não te serviu não é?

Antes que pudesse responder o velho continuou.

Mas não poderia servir mesmo, você não teve fé no que falei, sem querer acreditar no efeito do picolé fez com que ele tivesse efeito comum. Oprimeiro passo para tornar algo real é acreditar.

O homem gargalhou e depois continuou.

E quem diria, ainda pegou gripe, o que esperava.

Bem, fui embora chateado.

Confesso que aquela estranha figura me assusta até hoje, apesar de nunca mais te-lo visto, ainda guardo as frases daquele homem, mas nunca descobri se era verdade ou apenas propaganda.