A menina, o sonho e o despertador.

Hora de dormir e a menina não queria. Não tinha jeito. Era ordem. Obedecia. Rezava e deitava, mas não dormia. Rolava na cama criando estórias até ser tragada pelo sono. Sonhava e sorria o poder de mudar os sonhos em cada passo. Mudar os sonhos. Ela sabia como fazer e por isso reescrevia voltando cenas, mudando falas e caras. Escolhia o sonho e se embrenhava por ele por toda noite. Sonhava e não queria acordar até que tudo estivesse por fim, perfeitamente cheio de alegrias e vitórias e beijos apaixonados. Hora de acordar e a menina não queria. O despertador, carrasco de toda uma vida, gargalhava irônico estragando o prazer. Não tinha jeito. Era ordem. Obedecia. A custo acordava para viver o que não tinha graça. Para viver o que não podia mudar. Acostumou a sonhar acordada, traçando o rascunho do sonho noturno. Rezava e deitava. Repassava idéias de tudo que sonhou durante o dia até adormecer para viver como queria. Acordava odiando o despertador. Rebelou-se ao crescer. Sem ordem de dormir, sem ordem de despertar. Sonhava acordada e dormindo. Aprendeu a ensurdecer o despertador que gritava confuso já não conseguindo fazer abrir os olhos. O tempo passou como sempre passa. A menina perdeu as estribeiras sem saber dormir e sem saber acordar, confundindo sonhos e vida num mesmo momento, em todos os momentos. Agora, desespera não dormir quando precisa e só consegue fugir do sono quando já é tarde demais para sonhar a vida.

Paula Cury
Enviado por Paula Cury em 13/12/2005
Código do texto: T85238
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