Apenas uma migalha

Apenas uma migalha

É véspera de Natal, a cidade está em festa, no céu ouve-se o espocar dos fogos de artifícios e vê-se a beleza dos brilhos coloridos desse espetáculo.

Nas casas, as famílias ansiosas esperam a chegada da meia-noite para trocar de presentes e depois a degustação da tradicional ceia.

Para os pobres, os chamados pequenos e humildes, como a sociedade os define, o Natal é uma grande festa; é a chegada do Cristo Redentor, é a esperança que nasce e se renova no coração de cada pessoa, trazendo perspectivas de dias melhores, como um pedaço de terra para plantar e colher.

Eles oram ao Menino Jesus que aparece deitado na manjedoura, visto nos presépios armados em seus humildes casebres. Para essas pessoas não há ceia, troca de presentes e nem árvore de natal.

As crianças esperam o Papai-Noel, que nunca veio, elas dormem e sonham com o velhinho barbudo, vestido de vermelho, trazendo no seu trenó sacos cheios de brinquedos, para distribuir para aquelas carinhas inocentes, que moram na palafita.

O Papai-Noel não vai chegar até elas, a sua roupa e o seu trenó ficariam sujos de lama, o Papai-Noel daquelas criancinhas ainda na chegou.

Mariazinha sonha com uma boneca de cabelos compridos, que mexe os bracinhos, os olhinhos e chama mamãe.

Pedrinho quer ganhar um carro de bombeiros; o Joça sempre sonha com a espada do justiceiro Heman, e o Tuca pediu ao Papai-Noel a turminha dos Super-Amigos. Assim, todas aquelas crianças fizeram os seus pedidos ao bom velhinho.

Apenas um menino na véspera do Natal não quis se juntar a seus amiguinhos para fazer o seu pedido ao Papai-Noel, e preferiu sair para ver o Natal na casa das outras pessoas.

Ele caminhou pela rua na esperança de encontrar alguém que lhe desse um prato de comida, um chinelo para calçar e uma roupa para vestir o corpinho desnutrido. Os sinos das igrejas e da catedral batiam meia-noite, ele continuou a andar sozinho pelas ruas, já cansado de caminhar, pára em frente da mansão de ricaço e entra sem ninguém perceber.

Se deslumbra com a beleza das luzes, do bonito pinheiro enfeitado, a piscina, o belo jardim, muitos convidados, muita comida e bebidas. Nunca seus olhos tinham visto tanta beleza, tanto luxo! E os brinquedos, sem pensar.

Ele ficou encantado com a boneca loira que falava, movia os braços e os olhos; andava e chamava mamãe, que a menina brincava, igualzinha a que Mariazinha deseja. – Se ela a visse! – Olha a espada justiceira do Heman! – Nossa! O que será aquilo? Espantou-se com a uma máquina que acendia um luzinha vermelha quando andava e falava. Achou engraçado a maneira como andava, todo duro. Deu vontade de ir se juntar aos outros garotos para brincar com o robô. Igualzinho ao que vira na televisão uma semana antes, e ria sozinho, divertia-se.

Aquela gente bem vestida, os presentes, a bela canção, enchiam o seu coração de alegria. Ele permanecia escondido entre aquelas folhagens, sentia muita fome, sede e frio. Enquanto aquela gente se desejava feliz natal superficialmente, agradecia os presentes que recebia e se empanturrava com toda aquela comida; ele, o pobre menino, fazia uma semana que não sabia o que era pôr alimento na boca.

A sua vontade era sair correndo e pegar toda aquela comida e levar para os seus irmãozinhos, que também, como ele estavam com fome. Se ao menos tivesse uma chance, se ao menos alguém o visse ali. Mas, ninguém se preocupava com ele, ninguém sabia que ele estava ali precisando de ajuda. Talvez se alguém o visse mataria sua fome, sua sede, seu frio.

O menino espera que o lugar fique vazio para pegar aqueles restos de comidas, os farelos de pão jogados no chão.

Lá pelas duas horas da madrugada, a dona da boneca adormeceu na cadeira de balanço, e deixou a sua linda boneca cair bem do lado de um pedaço de pão que a menina jogou ao chão.

O menino aproveitou o silêncio e correu ao encontro da migalha de pão, que estava ao lado da boneca.

O rico gritou: ladrão, vai roubar a boneca da minha filha. Foi um alvoroço, a menina acorda chorando. O menino se apavora e cai no chão agarrando o pedaço de pão. – Eu não sou ladrão, só queria um pedaço de pão, grudado ao pedaço, aperta-o na pequena mãozinha, já sem vida. Enquanto isso tocava o final da música Noite Feliz: Noite feliz, noite feliz, oh! Senhor, Deus de amor.

Iracema Cutrim Corrêa

Fabíola Neive
Enviado por Fabíola Neive em 16/12/2005
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