29 de Fevereiro

O dia já está amanhecendo. Ela estará aqui a qualquer momento. É claro que estou ansioso, são 4 anos desde a última vez que a vi. Ela estava linda da última vez. Aqueles olhinhos verdes, os longos cabelos negros, o corpo que ainda não era de mulher, mas também não era de uma garotinha.

Como estará agora? Já é uma mulher feita. Tem a mesma idade que eu, 20 anos. Aliás, nascemos no mesmo dia, 29 de Fevereiro de 1988. Eu me lembro perfeitamente da primeira vez que nos encontramos. Tínhamos quatro anos. Passamos o dia todo brincando em um campinho, admirando os passarinhos, querendo “voar” com eles.

À noite, ela simplesmente desapareceu. Fui ao campinho todos os dias de Março, pensando que a encontraria, mas ela nunca estava lá. Acabei esquecendo-a.

Quatro anos depois, por pura coincidência, fui ao campinho. A lembrança vaga da garotinha me veio à cabeça e, inesperadamente, ela apareceu atrás de mim. Como se nada tivesse acontecido nesses quatro anos, ela pegou minha mão e me chamou para brincar. À noite, novamente, ela desapareceu. Tentei encontrá-la depois, mas não tive sucesso.

Nunca tive amigos. Inventaram que os nascidos no dia 29 de Fevereiro eram amaldiçoados e todos os garotos tinham medo de mim. Não ligava, preferia ler histórias de terror e escrever as minhas. Entretanto, uma coisa é “não ligar” e outra é “gostar” de estar sozinho. Acabava sempre naquele campinho, desejando encontrar a garotinha. Acredita que até hoje não sei o nome dela?

No reveillon de 2000, lembrei que era um ano bissexto, ano de aniversário, ano de encontrar a garotinha. Comprei um calendário e contei os dias. Minha mãe achou que eu estava ansioso pelo meu aniversário e aprontou uma festa. Fiquei horas enrolado em casa. Demorei, mas consegui escapar. Cheguei ao campinho e ela estava sentada em uma pedra com a cara amarrada.

- Demorou!

- Eu?

Ora, ela aparecia uma vez somente nos anos bissextos e reclamava da minha demora.

- Não importa. Vêm.

Ela nos levou para uma espécie de colina que tinha na saída da cidade. O local era fantástico. Ela perguntava sobre tudo. Como eram minha escola, meus pais, pedia para ver minhas histórias e nunca falava sobre si mesma. No pôr-do-sol, ela se recostou no meu peito e adormeceu exausta. Não me lembro do que aconteceu depois, só que já era noite e estava sozinho.

Quatro anos atrás, no entanto, foi especial. Eu estava mais sozinho do que nunca. A galera do bairro e da escola já não acreditava na maldição de 29 de Fevereiro, só me achavam estranho mesmo e mantinham distância.

2004, 16 anos. Éramos adolescentes. Eu fui novamente ao nosso encontro no campinho. O sol nem tinha nascido. Esperei na mesma pedra que ela me esperou no ultimo 29 de Fevereiro. Estava completamente confuso. Ansioso por encontrá-la, amargurado por não tê-la ao meu lado todos os dias.

Ela encostou suas costas nas minhas e perguntou:

- Demorei?

- Não.

- Então porque está triste?

- Porque sei que você vai embora.

Ela levantou, sem me olhar, e disse sorrindo:

- Então é melhor aproveitarmos, não?

Eu me levantei também, sorrindo, segurei sua mão e saímos correndo. O itinerário dessa vez foi escolhido por mim. Fomos ao parque de diversões, ao cinema, a umas três bibliotecas (nunca vi alguém gostar tanto de livros!) e no fim do dia, como mandava a tradição, fomos até a “nossa” colina, assistir o pôr-do-sol.

- Tenho que ir.

- Para aonde você vai?

- Você não entenderia.

Ela se soltou dos meus braços e deu alguns passos para trás, sem deixar de me olhar.

- Você vai voltar, não é?

Eu realmente não sabia. Pensava seriamente em parar com aquela loucura e esquecê-la. Ela, no entanto, correu na minha direção e me deu um beijo.

- Vai voltar. Eu sei que vai.

É. Eu voltei. O sol está raiando e já posso ver seu corpo no horizonte. Quatro anos de espera. Uma eternidade. Parece tolo viver em função de um dia de alegria, que me deixei escravizar por esses momentos, mas é só nessa prisão que me sinto realmente livre.