"Coitadinha..." =Mini conto=

Mulatinha clara, rostinho bonito, corpo perfeito, belos cabelos negros, imensa suavidade na voz e nos gestos, e, coitadinha, completamente analfabeta. Não foi à toa que doutor Gustavo encantou-se com a nova empregada contratada pela esposa. Também condoeu-se muito com o fato de a pobre coitada encontrar-se mergulhada nas trevas da ignorância.

Sem que a esposa tomasse conhecimento, ofereceu à moça ensiná-la a ler e a escrever durante o tempo em que a patroa estivesse ausente, o que acontecia todos os dias, já que a prestimosa vovó ia todas as tardes cuidar do único netinho, recém nascido.

Pegando com carinho na suave mãozinha da serviçal, doutor Gustavo conduzia-a na feitura correta de cada uma das letras, e a moça, a cada conquista, a cada letra aprendida, encostava-se carinhosamente no amplo peito do patrão, como uma linda gatinha agradecida. O patrão sentia o sangue correr mais depressa em suas veias a cada vez que isso acontecia.

Um mês depois as recheadas contas bancárias do doutor Gustavo haviam sido totalmente esvaziadas através da Internet. Alguém que conhecia todas suas senhas se encarregara de torná-lo pobre.

Mulatinha clara, rostinho bonito, corpo perfeito, belos cabelos negros, imensa suavidade na voz e nos gestos, aquela jovem senhora é a cliente preferida da livraria. É com imenso prazer que os vendedores lhe mostram as edições especiais de Kafka, Kant, Cervantes, Joyce, e de tantos outros autores que ela aprecia desde bem jovenzinha.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 02/03/2008
Código do texto: T884130
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.