A grande Partida

Jorge ajeita com carinho a poltrona, limpa a tela da TV (enorme, 44 polegadas, LCD, 36 desgraçadas prestações com juros abusivos), busca na cozinha algumas cervejas e uma vasilha cheia de salgadinhos. Ele senta, se ajeita, procurando o máximo de conforto e o melhor ângulo para assistir cada detalhe do jogo. Não o jogo, mas O Jogo. 13 de Novembro e Mandacaru.

Os times entram em campo. Jorge faz o sinal da cruz e beija o símbolo do 13, seu time de coração. O juiz joga a moeda para cima para decidir quem começa. Coroa, 13 de Novembro começa. Jorge urra de alegria.

- É isso aí! Iniciar uma partida sempre dá sorte!

Toque de bola. Treze tenta atacar rapidamente, mas a defesa do Mandacaru é eficiente, rouba a bola e lança para o ataque. O atacante do Mandacaru chuta com força, mas a bola bate na trave. Jorge puxa os cabelos com força.

- Ufa! Não desistam! Força, Treze!

Marta, esposa de Jorge, entra em casa, murmura um “olá” e vai para a cozinha.

“Gooooooooooooooooooooooooooooolllllllll”

- MERDAAAAAAAAAAAA!!!!!

Marta escuta o berro do marido e vai assustada até a sala.

- Tudo bem aí?

- Merda, merda, merda!

Ela olha para a televisão e vê um jogador do Mandacaru comemorando um gol. Ela suspira entediada, vai até ele e lhe dá um beijo no pescoço.

- Calma, meu amor. Eles vão dar a volta por cima.

Jorge balança a cabeça positivamente. Um jogador do Mandacaru faz algumas embaixadinhas, dribla os três zagueiros do 13 de Novembro e chuta, fazendo outro espetacular gol.

“goooooooooooooooolllllll do Mandacaru”.

- Não.

Jorge morde a gola da camisa, tentando conter sua frustração. A mulher o acaricia, tentando fazê-lo esquecer o jogo. Ele nem mesmo nota sua presença. Ela insiste inutilmente. Naquele momento, a única coisa que existia para Jorge era o jogo.

“Três! Três! Três a zero para o Mandacaru”

“Mais um! Que chocolate! Mandacaru quatro, 13 de Novembro zero.”

“ Cinco. Que goleada”

“Seis...”

“Sete...”

Quase uma hora depois, Jorge, desolado, desliga a televisão. As ultimas palavras do locutor ainda atormentam sua mente: “É isso aí, galera! O Treze de Novembro fez jus ao nome! Levou Treze... Treze gols do Mandacaru”.

Marta, ao perceber que a televisão foi desligada, vai até a sala. Olha com pena para o marido. Ele estava completamente destruído. Olhava para a TV e repetia inconsciente: “Vai, Treze! Você pode virar. Força, força!”. Ela vai até ele e desabotoa um botão da sua blusa.

- Hei, que isso? Ficar desse jeito por causa de um jogo? Vamos lá. Anime-se.

Ela senta entre as pernas de Jorge e beija seu peito e pescoço.

- Vai treze.

- Vamos, Jorge. Eu conheço um jogo mais divertido.

- Você pode virar. Força, força.

Ela ainda faz mais algumas carícias, mas Jorge continua do mesmo jeito.

- Quer saber de uma coisa? Fica aí choramingando. Cansei.

Ela se levanta e sai, batendo a porta com força.

Horas depois, o fanático torcedor do 13 de Novembro se levanta e com lágrimas nos olhos arruma a bagunça. Liga a televisão em um canal esportivo e escuta a análise do terrível jogo.

“E foi assim que o 13 de Novembro sofreu a sua maior derrota. Jogou mal, não prestou atenção nos próprios erros, mas você, fiel torcedor do furacão do Norte, não pode desanimar. Hoje, perdemos uma batalha. Amanhã, venceremos a guerra”.

Jorge bagunça um pouco o cabelo e dá uma risada.

- É. Ele tem razão. E já está na hora de esquecer esse jogo bobo. Existem coisas mais importantes.

Ele toma um longo banho e depois procura pela esposa. Vai à cozinha, na área de lazer, no quarto. Nada. Tinha sumido completamente.

- Deve ter saído.

Ele vai para o quarto e se deita. Meia hora depois, Jorge acorda com o barulho da porta do quarto e o assovio da mulher.

- Aonde você foi?

- Ah! Ele notou que eu saí.

Marta evita olhar diretamente para o marido. Estava um pouco zangada, mas não muito. Queria fazer com que se sentisse culpado. Jorge, incomodado com a voz fria da mulher, tenta agradá-la.

- Você está bonita hoje.

Ele começa a beijá-la. Ela se esquiva e, de costas, responde sorrindo.

- Agora está me vendo. Achei que só tinha olhos para o 13.

- Que besta que fui, não é? Nem prestei atenção em você, a mulher mais bonita do mundo.

- É, foi um completo idiota. Mas, eu te perdôo.

- Oh! Fui agraciado com o perdão da deusa do amor.

Ele começa a tirar a blusa dela, sem parar com os beijos. Marta o repele de mansinho e fala com a voz sensual:

- Espere um pouco.

Ela lhe dá um beijo na bochecha e vai até o banheiro e se tranca. Jorge vibra de alegria. Pula na cama e deixa a cabeça afundar no travesseiro.

- Que maravilha! Um dia tão ruim, vai terminar de maneira espetacular. Ela é simplesmente perfeita. Compreensiva, carinhosa...Que mulher! Apesar de magoada, mal falou sobre o jogo, para não ferir meus sentimentos. Ah, Marta, eu te amo!

Marta desliga a luz do banheiro e grita:

- Prepare-se. Aqui vou eu.

Jorge esfrega as mãos ansioso. De repente, escuta o som estridente da sua corneta e a mulher gritando:

- 13, 13, 13...

Ele olha assustado para a porta do banheiro e pergunta para si mesmo se aquilo seria alguma fantasia. A porta é aberta e sua mulher, vestindo um uniforme sai gritando.

- 13, 13, 13... 13 gols...

Ela beija o símbolo do time do coração estampado na camisa.

- Uhu! Pra frente, Mandacaru!.