Ao passo, a liberdade

Ele anda. Pensa. Ouve tudo ao seu redor. Pensa novamente. Lembra das pessoas que deixou pra trás: a garota fácil, a mulher que amava, a menina que o compreendia, os amigos, os livros, os discos, as noites de felicidade na companhia de algo ou nada mais. Tudo é passado. Caminha pelo frio, acende um cigarro e continua sem enxergar. Tira uma moeda do bolso. Cara ou coroa. É matar ou morrer. É saber que logo adiante a morte pode encontrá-lo, ou imaginar que a liberdade finalmente o encontrara, mas não seria o contrário? Não seria ele que deveria ir de encontro à liberdade? Não. Nunca foi livre, nem o desejou ser. Ninguém o é. Nada no mundo é de graça. Nada. Diversão, descanso, trabalho, família. Sempre se paga um alto preço por tudo, porque, no fim das contas é que todos sabemos o quanto isso tudo custou, ou valeu. E ele caminha, consegue enxergar um pouco, acende outro cigarro, sente seus pulmões arderem(afinal, isso é o que lhe salva do frio), e dá mais um passo. Um passo. O passo... Sente as pernas não tão firmes assim, o peito estala, a garganta sufoca, sente saudades. Saudades... 'Que palavra estranha...', ele pensa. 'Como posso lembrar de algo e achar que tudo isso foi real ao ponto de sentir saudades? É irônico...', assim ele define. Talvez tenha razão, ele sempre pensou que vivia numa ilusão, que jamais havia tido algum tipo de experiência, e que todas as pessoas que conheceu foram fruto da sua imaginação. Sim, ele agora tem certeza. A garota com quem se encontrava todas as noites e o fazia de objeto, a menina que sempre o ouvia e sabia que ele a tinha em seu coração, a mulher que beijava e acariciava, mas que nunca disse que amava. Sim, tudo isso pertencia a um passado distante que ele já não conseguia distinguir se era real ou não. Acende o último cigarro que lhe resta, pega no bolso da calça as moedas que lhe sobram e vê que pode comprar mais um maço. Isso o alivia. 'Pelo menos mais câncer e menos vida. A liberdade.', conclui.