NÃO CONFIE EM NINGUÉM

Olha aqui, minha filha, preste atenção: eu fiz o jogo, ela acertou a centena na borboleta e ainda não quer pagar o fiado? Assim não dá! Você diga a ela que eu só pago o prêmio quando ela acertar o fiado, o de hoje e o de semana passada também. O quê? Fala mais alto. Mas por que é que ela não quer pagar o fiado? Não sou obrigada a quebrar galho de ninguém, não, que história é essa? Esse negócio de vender fiado quebra a banca. Diga a ela, minha filha, fale aí pra ela ouvir que só fiz o jogo fiado por consideração. Não, não quero falar com ela, não, aliás tenho que desligar que já já o metrô pára na minha estação e eu tenho que descer. Nem sei mais que estação é essa que parou, agora, fico tão nervosa. Quilo de açúcar? Que quilo de açúcar? Ela ficou louca? Não sei de açúcar nenhum que ela me emprestou, onde é que nós estamos? Ora essa. Diga a ela que não sei de quilo de açúcar nenhum, e que não devo nada a ela. Aliás devo, sim, porque ela acertou a centena na borboleta. Mas ela me deve primeiro, tem que pagar o fiado. Vizinho é uma desgraça, mesmo. Agora ela vem com história de açúcar, que açúcar? Pergunte aí a ela, minha filha, de que açúcar ela está falando. Aliás, não pergunte nada não, não pague o prêmio, e pronto, estamos conversados. Só depois que ela pagar o fiado, o de hoje e o da semana passada. Como é que é? Não dá pra falar com ela não, menina, o trem já está chegando na minha parada. Polícia? Que Polícia? Ela não pode chamar a Polícia senão vai presa, esse negócio aí é proibido, minha filha. Ela não sabe disso, não? Diga a ela que se chamar a Polícia vai presa em flagrante, por contravenção, essas coisas complicadas. E não é só ela, não, se a Polícia aparecer vai todo mundo em cana. Não, claro que você não, minha filha, você não tem nada com isso, só toma conta do negócio pra mim de vez em quando. Quem vai em cana é ela, essa jararaca. Falando nisso, meu bem, assim que ela for embora faz uma fezinha, jogue alguma coisinha na cobra, e jogue logo na cabeça, minha filha. Com uma peçonhenta dessas me dando esse trabalho todo vai dar cobra, tenho certeza. E diga também que nunca mais faço fiado, nem pra ela e nem pra ninguém, esse bando de caloteiros. Se ela pode jogar de novo e descontar os fiados do prêmio? Pode, claro que pode, ué. Mas não fala nada pra ela do palpite da cobra, não quero que ela ganhe de novo. Diz pra ela jogar na borboleta outra vez, pronto. Ou no macaco. Sei lá por que o macaco, minha filha, é palpite. Tem mais alguém aí? Não? Então tá, desconta o fiado e paga a moça. E se aparecer algum Polícia por aí diga que eu não estou, hein? Como? O que mais você ia dizer, se eu não estou mesmo? Olha, meu anjo, orientação nunca é demais. É meu papel de mãe. Se ela quiser jogar na cobra? Deixa, pode deixar, mas diz que você tem certeza que vai dar macaco. Ah, ela já foi? Pagou essa infeliz? Ah, ela ficou de voltar depois? Ótimo. E não esqueça, não faça fiado pra ninguém, minha filha, depois dá um trabalhão danado pra receber. Esse mundo hoje está de cabeça pra baixo. Não confie em ninguém, ouviu? Em ninguém.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 04/04/2008
Código do texto: T931085