Tempos de Sol, Normanda (Lia de Sá Leitão )

Tempos de Sol,

tempos de Solidez,

tempos de Solidão.

Há dias atravesso o mesmo caminho em direção ao trabalho, explicando, não, não vou dar aulas, deixei de ser Educadora para me tornar Pintora e isso muito me apraz, se não tenho chances de mostrar as cores da realidade nordestina nas artes das Belas Letras, o faço no colorido das tintas e nas manobras do pincel, tons pastel como a vida de quem aceita passivamente as determinações de outrem mais forte e estabelecido, ou cores mais vivas e vibrantes, o espírito do guerreiro que levanta a voz e brada eis que estou aqui e vou vencer.

Meu espírito ora se curva diante da melancolia, ora aguerrido afronta as instituições.

Voltando ao meu novo trabalho, fica mais ou menos uns 80 quilômetros de Olinda é em Itamaracá, estou reciclando todos os móveis velhos e negros da pousada. Tenho que enfrentar uma rodovia Federal, caminhões pesados, ônibus interestaduais abarrotados de esperanças e sonhos que ultrapassam em velocidade meu carro que insiste em ser veloz.

Não é um caminho duro a ser seguido mas um caminho a ser cumprido não é comprido mas tem coisas interessantes que só agora vem chamando a atenção.

Nesse instante que o corpo está moído pelo cansaço e os cabelos duros ainda pela poeira fina da madeira lixada e eu não tenho como desgrudar-me do computador fazendo escrevinhaduras por conta de uma estrada.

Será Literatura ou um lamento feliz do que foi o dia? Gosto da Literatura por isso um lamento pode ser feliz assim como as lágrimas podem ser um desabafo de alegria e o ranger de dentes a incredulidade das circunstâncias da vida.

Tenho que aprender que o mundo dos negócios não é literário e a vida tem um preço a ser pago, e dinheiro não tem alma... céus! Mas isso também pode ser Literatura.

Meus devaneios podem ser literatura, Deus e o Diabo podem ser literatura!

Meus segredos e conflitos podem ser Literatura!

Estrada, sol, mar, vento, a fumaça do cigarro que escorrega por entre os meus dedos, a estrada, o não pensar em nada e o pensar em tudo, o olhar de quem tudo vê em detalhes e o mesmo olhar que nada enxerga além da linha do horizonte.

Sim! como posso desvencilhar-me da Literatura? Se meus olhos vêem um velho e esguio Jacarandá, solitário no campo e, imagina a solidão dos dias, das chuvas, o tempo que urge, um urubu que sobrevoa num bailado de circunferência, os anos que passam e ele ali, representando o que pra quem?

Como posso desligar-me da Literatura em sua solidão de estrada quando vejo os meninos que vendem cajus pelos acostamentos, que esperanças possuem maior que a minha? Essa gente toda! Eles falam e eu falo, eles sentem o sabor do caju colhido eu sinto o sabor travado da fruta colhida ontem, distante da árvore, mãe protetora.

Pergunto-me em meu silêncio de rodovia Federal, por que repito aos amigos que a vida me curva e não me quebra como capim? Como o mais insignificantes dos matinhos que se retorcem até o chão e não se quebram? Que resistência é essa? A mesma dos poetas satânicos?

Quem não tem em vida um poema silenciado?

Mas que poesia? Nunca fiz poesia, escrevo sem estilo e sem estética, escrevo o que sinto, e insisto em amar a littera dos mal amados gabinetes, as bem arrojadas, pensadas, criadas, elaboradas, escrevo o que qualquer crítico diria, esqueça!

É o senso comum! Não há poesia, não há o inusitado, não há a metáfora! Não há a poética exigida para a criação do conteúdo o elemento do ter e do ser! Não há nada que justifique poesia em que escrevo.

Porque insisto tirar do nada a minha visão de mundo dependente, tudo que quero escrever alguém mais sábio pensou antes e adiantou suas notas e se tornaram célebres.

Porque não deixaram nada para que eu pudesse escrever de inusitado? Queria escrever sobre a Loucura, a felicidade é loucura e assim seguem o amor e a dor, a flor e a vida, o sol, e meu Deus! E meu pecado! E os anjos e o diabo que criei para infernizar meus minutos! minha condenação e minha salvação, mas tem tudo isso em elogios da Loucura de Erasmo de Rotterdan, quis falar dos Dias e noites de amor e de guerra, em que o medo paria a coragem de enfrentar os canhões, e a voz não calava diante das injustiças, e as denúcias de insconstitucionalidades políticas não se reprimiam ao lado do corpo suado do parceiro adormecido. Mas Eduardo Galeano adiantou-se e tudo está registrado. Eles gênios da literatura e eu a tola que dirigia um Gol 1.0, de volta para casa, e, olhando o sol puxando as cobertas para acender em luz em outros cantos em outras praias, que sina a minha de querer escrever o que já foi dito!

Todos falaram no silêncio de nunca poder ter em mãos o desejo mais que ardente da pessoa amada, será que todos também foram parecidos comigo? Tinham um porto que não queriam ancorar seus barcos de pescadores porque a marina do vizinho era sempre mais deslumbrante?

O que quero? um amor com nome, celular, e carteira de identidade ou o angustiado desejo de não tê-lo possuído? continuar imaginando em meus silêncios a mão forte do homem que jamais será o príncipe das minhas mil e uma noites, será sempre o espectro que toca meu corpo ou o beijo dos Risíveis Amores?

As fantasias que sonho e o cheiro da pele que crio em minha reclusão de escritora sem metáforas! Onde anda a poesia da vadiagem nua, lua, bruma, perdia conta das horas e a dimensão da banheira, e diz o físico dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, eu heim!

Xi!

Se eu estivesse dirigindo agora, certamente teria parado o carro para questionar uma nuvem pesada e cinza, porque não chove logo para aliviar o calor ou seria bem provável que teria me estabacado barreira abaixo capotado trezentas vezes por pensar coisas tão comuns ao volante.

Diabos, eu sempre pensei que fosse diferente, e no entanto sou mais comum que uma piada que faz corar o ingênuo.

Calma! não sou tão ingênua o quanto queria ser, podia orar diante de um santo numa proposta indecente, ou corar elogio como fazem as boas moças, mas que nada! Deselegantemente dou risadas.

Podia falar meigo, doce, e nunca chamar palavrões, mas não tive tempo de aprender a ser meiga e terna e pura e doce como as meninas dos contos de Alencar.

Arre! Que tamanho disparate a minha própria vida sem poesia.

No caminho de volta do trabalho, tem uma ponte sobre um Rio ironicamente São Paulo, lembrei dos amigos da internet ponte Rio / São Paulo! Mas que diabos isso tem com minha história?

Bom voltando a ponte do Rio São Paulo, no parapeito da ponte um casal, ele segurando a bicicleta com uma mão e o outro braço abraçando uma moça, seus dois amores suas duas vidas, poético beirando o patético, uma transporta a outra guia.

Olhei pelo retrovisor e vi que ele a beijava e eu tinha que olhar o caminhão que freava à minha frente.

Diabos!

O que eu prentendi escrever?

Nem lembro mais.

Perdi mesmo o fio do raciocínio e depois daquele beijo só restava mesmo chegar a casa, estacionar o carro, correr para o micro e escrever algo sobre a minha solidão da estrada!

O querer de um beijo! sobre a literatura! sobre um casal de namorados, sobre o que? Sobre a propaganda da TV que me fez chorar ou a novela do final de noite que me despertou desejos de pecado mortal, amai o próximo mas NÃO DESEJAI o próximo da outra!

Desejar o quê? Quando não se tem idéia da textura da madeira? Da transformação das cores. Da finalização das emoções depois de concluída a peça.

Ah sim! Escrevia que deixei de ser Educadora para ser pintora, interessante! nunca tenho idéia preestabelecida daquilo que faço porque assim como não sei cantar um poema em Dó maior, também não sei o que crio o que vou parir, se a cor tranqüila dos que se conformam e por algum motivo se acomodaram, ou algo inflamado dos que ainda não tem medo de acreditar que podem nem que seja escrever um único poema nem que seja de amor.