MAIS UM DIA - Normanda - Lia de Sá leitão - 4/01/2006

Mais Um dia começa com seu brilho e ar quente invade o apartamento, a sala, o quarto, às sete horas da manhã, até parece calor de deserto mas a proximidade do mar, não permite o delírio da miragem, ali está o mar, de um verde esperalda, sedutor e quente como quem acena para um amigo distante, venha estou desejando abraçar alguém. Nesse dia de ondas assustadoras que amansam na cumplicidade dos amantes quando beijam as areias e presenteiam a terra com tecido de rendas, alvas que borbolham, e se rompem numa rapidez fabulosa para dar lugar a nova textura, a novo brocado, e uma nova rendeira do mar aponta o Carpe dien, viver o momento com voracidade, por que é único, o próximo pode ser mudo, silencio profundo entre o hiato que existe entre Deus e o Diabo, em tese, desenha na simplicidade da natureza, a cada seqüência o incontestável pânico o que a humanidade possui da velhice.

Será que o calor também produz esses questionamentos sem pés nem cabeça? Lá vem mais uma onda, lá vem mais um bordado que espuma, faz bolhinhas,e mais uma vez é engolido pelas areias.

Naquele instante ela em pé e o infinito.

Olhava através do janelão da sala de estar uma atmosfera de sonho, sininhos, luzes de pisca pisca natalino, tudo parecia redoma de cristal protegendo um mundo encantado onde um sopro cortante de uma aragem fria trincaria a paisagem.

Mas que pensamentos aqueles? Não queria pensar naquilo, bordados na areia, redoma de cristal , mundo encantado, queria o real, queria a solidez do pensamento amadurecido, queria a razão, precisava cobrir as contas do mês, precisava pagar o combustível do carro novo, por sinal um lindo carro, sua paixão, por onde passava era vista como a moça do carro azul, mas que adiantava ter a paixão pelo troiller azul sem ter um navegante de vento em polpa no seu coração?

Daria metade da conta bancária por um amor. mais uma vez o pensamento cortante, dineiro compra até amor sincero! CAPITALISTA! Onde já se viu comprar um amor? Ria para si sem esborçar qualquer sentimento de alegria só ironia, segredo da vida bem sucedida e tão vazia.

Sempre brincava com as amigas nesse tom de galhofa,quando se tratava em maridos, amores e paixões das mais passageiras, ressalva, todas as amigas estavam casadas e diziam horrores na hora de voltar para casa após o término dos exercícios diários na academia.

Um dia, uma das amigas abaixou o vidro elétrico do carro e berrou entre a raiva real e o sarcasmo feminino: vou pra casa fazer sopa, todos os homens gostam de sopa! Que coisa! Esborçar aquela raiva por que ia cozinhar uma sopa para o seu companheiro, aquele com o qual jurava amor depois da novela das oito, aquele com quem fazia amor antes do jornal da meia noite, e beijava-lhe à boca, fazendo-o dormir feliz, para correr até a internet, acessar o chat de bate papo e namorar feliz e sem culpas, vale lembrar o detalhe: a televisão ficava nas alturas enquanto o programa do JÔ rolava solto pela Emissora.

Ela momentaneamente ficou séria enquanto todas se desdobravam em risadas, sentia a dor da alma,ia para seu apartamento de luxo, frente para o mar, provavelmente esquentaria a sopa de ontem e tomaria o café sozinha, ninguém para dizer, a sopa está sem sal.

À mesa, não ouviria brigas das crianças pelo pedaço de queijo que estava no final e pelo puxa - encolhe da discursão cairia ao chão, quem choraria? Ninguém derramaria o leite acholatado sobre a toalha, e o ovo continuaria intocável na geladeira; no café noturno não teria torradas com geléias de morango.

As rendeiras do mar continuavam o seu desfile pela orla, ninguém percebia, nem o domingueiro fotógrafo com máquina digital, nem as meninas, desfilantes dos corpos dourados, os rapazes se nem olhavam nas moças o que seria natural nem percebiam aquela peça de arte que as rendeiras do mar expunham com as maos mais dóceis e perigosas das sereias, penduravam-se nas barras de exercícios, ou alongavam-se na calçada, continuavam entre gritarias, risadagens, eles olhavam com atenção a moto que roncava no estacionamento ao lado, o som do carro tocando algo mais parecido com o som de um bate estaca do que aquela a renda do mar ou as meninas que empinavam seus bunbuns quase selados como poltrancas no cio.

A vida era mesmo o sopro, aquele sopro quente dos trópicos, sem a miragem fantasiosa dos desertos, aquilo era a vida, trem passageiro, trem cargueiro, trem de lembranças, trem de lágrimas contidas, trem de pratos para lavar na pia da cozinha, trem de solidão que atravessavam um mar esmeralda e a cada parada um aviso, o tempo ruge e o Mar é muito maior que a Sapucaí.