O Primeiro Beijo


Tinha nas mãos tantas mentas quanto o número de dedos, tinha nas mentas o sabor do primeiro encontro e a expectativa do primeiro beijo.

Havia lido em muitas revistas, visto em muitos filmes e novelas, mas aí fazer o papel da atriz principal e beijar... Ah! Isso eu nunca havia pensando.

Ao deparar-me com Rodrigo no pátio da escola logo pensei: “Será ele, será com ele”. Mas ele nem me deu atenção. Ignorou-me como roupa velha. Fiquei dias em seu pé. E quando se distraia eu o olhava nos olhos seriamente. Percebi que ele gostava e até sorria. O problema é que ele era muito calado e de poucos amigos. Não tinha como me aproximar.

Rosinha Alcunha, mas conhecida como Fofoquinha, confessou-me outrora seu interesse por ele. Eu logo a avisei de que o havia visto primeiro. Atrevida ela me desafiou e jogou na minha cara que eu nem sabia beijar. Foi terrível ouvir aquilo da boca dela. Mas não me rebaixei. Retorqui e disse, em alto e bom tom: “Sei sim, e muito bem. Aprendi com as garrafas da minha geladeira”. Ela riu de mim e foi embora. Eu não dei atenção a seus gracejos. Mas sabia que teria que ser rápida e confessar meu amor a Rodrigo, antes que ela chegasse na minha frente.

Passei aquela noite sem dormir. Olhei-me no espelho e me vi criança. Meus peitos ainda não haviam brotado. Como isso me irritava. As blusas largas escondiam esse defeito. Mas continuava seguindo as orientações de Dona Margô: “Puxe dia e noite seus peitos e esquente de vez em quando a colher e a encoste neles. Pano quente também é bom para estimular o crescimento”. Fazia tudo direitinho, cheguei até a queimar um dos mamilos por causa dessas receitas, mas nada acontecia. Os meus seios pareciam cada vez menores. Isto é, as bolinhas não inchavam.

Resolvi comprar, escondida de meus pais, um sutiã pequeno e colocar uns caroços de açaí para impressionar Rodrigo. Foi sensacional me ver com aquele sinal destacado na blusa. Quando cheguei na escola todos me olharam com admiração. Eu sabia que estava linda com aqueles seios de caroços de açaí. Ninguém desconfiaria de nada, pois sempre usei blusas largas, mas naquele dia, usei uma apertadinha.

No recreio, Rodrigo logo me notou. Olhou direto para os meus seios, percebi. Mas fingi que não tinha visto. Ele sorriu para mim. Era tudo que eu queria. Estava confirmado, Rodrigo me deu o sinal de que seria meu namorado.

Desse dia em diante ele passou a distribuir sorrisos para mim. Era na entrada, no recreio e na saída. Depois de uma semana ele me chamou. Minhas pernas tremeram, fiquei sem voz e meus braços ficaram sem movimento. Mesmo assim fui até ele e disse corajosamente: “Oi?”. Ele respondeu: “ Oi, você é amiga da Fofoquinha?”. Eu disse que sim e ele me agradeceu e foi embora. Não entendi a pergunta e decidi que teria que ser mais ágil ainda.

No outro dia de manhã fui até ele e perguntei: “ Você quer se encontrar comigo?” Ele sorriu e disse que sim. Eu pedi para ele marcar o lugar e o dia. Ele marcou e fui embora para casa sem assistir a última aula.
2
Minha mãe estranhou o horário de chegada, mas não indagou. Fui para o meu quarto e fiquei pensando em como seria o encontro com Rodrigo. Lembrei que não sabia beijar e fiquei desesperada. Comecei a ensaiar.

Como meu cúmplice, o espelho ficou comigo até altas horas da noite. Fiz várias cenas em sua frente, inventei mil bocas e comi muitas mentas, mas eu estava fria, ou melhor, fervendo! Não de paixão como aquelas meninas da novela, mas de medo. Medo de não saber beijar e acabar estragando tudo.

Era o meu primeiro encontro, o meu primeiro beijo e tinha que dá tudo certo. O dia “D” chegou. Procurei no meu armário uma roupa adequada para o encontro. Mas só tinha vestidos de bolinha e blusas largas. Fui obrigada a emprestar algumas roupas de mamãe e tive, é claro, de fazer alguns ajustes, pois ela é mais alta do que eu e tinha mais peito também.

Depois de horas de trabalho em cima da máquina de costura consegui aprontar tudo. Parecia até que eu havia crescido. O decote ficou um pouco ousado, mas não deu para mostrar os caroços de açaí. O batom vermelho realçava a minha pele pálida. Meus cabelos pretos estavam soltos como o vento e meus pés achatados no sapato de minha tia Nancy.
Alguns retoques e pronto. Sai de casa a caminho de meu amor. A minha sorte é que mamãe estava trabalhando e a empregada faltou, senão elas se surpreenderiam com o meu novo visual. A vizinhança me olhava como se eu estivesse doente. Mas não liguei.

3
No meio do caminho, resolvi parar. Sentei-me ao banco de uma praça triste e imaginei tudo...

Eu chegando, ele me abraçando e aí... Ah! Essa parte ficou em branco na minha mente. Eu não conseguia vê-lo me beijando, mas sabia que ele me beijaria. Tinha que me beijar, afinal um casal de namorados sempre se beijam.

Seria o nosso primeiro encontro. Na verdade, seria o meu primeiro encontro com alguém, pois a minha mãe nunca marcou encontro comigo, nem o meu pai, a culpa é deles! Se eles tivessem marcado vários encontros comigo eu estaria acostumada e não ficaria daquele jeito. Mas tive que me acalmar, ele não poderia desconfiar da minha insegurança. Queria mostrar que havia tido outros encontros. Então eu falei para mim mesma: “Isso mesmo Milena, vá lá e mostra que você não é mais uma garotinha”.

Então eu fui, ia me aproximando do local do encontro e minhas pernas iam ficando tremulas, minha voz se perdendo e meu rosto empalidecendo. Nas minhas mãos aquele monte de mentas, que eu não sabia ao certo para que serviriam, mas sentia que precisava delas para chegar até ele.

O vi de longe, ele estava de costas e fiquei ainda parada. Não conseguia me aproximar. Mas tive que ir e fui. Ao chegar ao seu lado disse:
- Oí!
Ele respondeu:
-Oi.
4
Ficamos umas duas horas um olhando para o outro. Só o silêncio falava. Ele havia comprado mais mentas do que eu.

Depois de algum tempo, disse:
- Preciso ir embora.
Ele respondeu trêmulo:
- Tá.

Então eu fui embora com minhas mentas e ele foi com as dele. O primeiro beijo não aconteceu. Talvez o primeiro encontro não seja a maior experiência na vida de uma garota. Mas pelo menos uma coisa eu aprendi: no próximo encontro não levo mais mentas. Para quê tantas mentas?
SHIRLEY CASTILHO
Enviado por SHIRLEY CASTILHO em 08/01/2006
Reeditado em 13/09/2008
Código do texto: T95834