Janelas...

Desde que nasci numa pacata vila de uma pequena cidade do interior, nunca saí de dentro do meu quarto o qual sempre mantive por ordens minhas de janelas fechadas, nunca saí da minha cama, a minha cela durante esses anos todos... Os médicos dizem que tenho uma doença rara, daquelas de nome complicado e sem cura...

Sou filho único, não tive que suportar muito tempo a tristeza no olhar dos meus pais... Morreram ambos num acidente de avião quando eu tinha cinco anos... Foi uma criada devotada que me cuidou como faz até hoje, minha única companhia... Não quis nunca tentar ir à escola, não tive amigos, eles não teriam muito que fazer ao meu lado e acho que se eu os visse olharem-me com pena, minha revolta aumentaria... Confesso, nunca quis ter amigos, nunca quis que me lessem um livro, nunca quis ter contato com nada do mundo exterior... Minha única atitude que mostrava que eu tinha ainda vontade de algo era ao entardecer dos dias. Todo fim de tarde pedia para a criada que abrisse a janela que dava para o pôr-do-sol... Sentia minha revolta diminuir ao ver a noite ir aos poucos tragando os raios de sol e impondo à natureza um silêncio obrigatório, impossível de desobedecer... Talvez fosse assim que eu via minha doença... Algo imposto e impossível de evitar...

Uma dessas vezes há uns dias atrás, tão logo a noite se estabeleceu plena, adormeci e tive um sonho... Não me recordo bem do assunto desse sonho, mas recordo que meus pais estavam nele... E o principal quando acordei pela manhã é que senti uma vontade enorme de rever o sol... Gritei pela criada, ela logo surgiu assustada, mas ficou mesmo é atônita quando lhe pedi que abrisse a janela à direita do quarto, a que dava para o nascer do sol... Tão logo os raios entraram e aqueceram o ambiente, senti uma emoção forte tomar conta de mim... Senti a vida tomar o horizonte, o ar impregnar-se de energia, da minha cama pude avistar os galhos do carvalho onde pássaros apressados e saltitantes, caçavam insetos para si e para seus filhotes... Na sacada as flores que eu jamais via estavam servindo de banquete às abelhas, doando-se sem o menor egoísmo... Ruídos mil mostravam que lá fora a luta pela sobrevivência, pela existência era plena. Uma luta de todos indistintamente, uma luta sem lamentos, sem dor, sem tristeza... Um espetáculo...

Naquele dia não quis sequer comer, estava sim me alimentando, mas de vida... Disso eu estava faminto... Não me lembro quanto chorei naquele dia e quando a noite chegou, eu estava em paz, cheio de planos e idéias. Incrível como a natureza me dera exemplos de fé e perseverança. Um pássaro que sai de seu ninho o faz por certeza que Deus proverá seu alimento, a flor se doa às abelhas certa de fazer cumprir seu papel e de que se perpetuará pelo seu pólen espalhado... E o sol? O sol distante bilhões de quilômetros, paciente cumpre sua jornada sem o menor indício de preguiça ou egoísmo...

Chega de janelas fechadas, principalmente as do meu coração...

Sandro La Luna
Enviado por Sandro La Luna em 01/05/2008
Reeditado em 27/10/2021
Código do texto: T970047
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