A Árvore

A estação de manga estava em seus primórdios em Belém. A chuva era erudita nas manhãs daquele janeiro. O Senhor Ademar, patriarca da casa de dona Dina resolveu vender a casa da tia Nazaré, mãe de dona Dina, falecida recentemente, que ficava na Dom Pedro I entre a Senador Lemos e a Jerônimo Pimentel, bem em frente a Praça Brasil. A casa era reconhecida pela mangueira que dourava de manga sobre o sobrado, quando a época iniciava.

A venda da casa culminou com o inicio da temporada de manga e a polemica na família foi unânime em vários sentidos. Surgindo então correntes daqueles que eram contra a venda da casa, versos aqueles que eram a favor. Os que se diziam contra, eram da corrente sentimental, pois lá naquela casa abrigava uma imensa mangueira, que dava fruto de boa qualidade e quase o ano inteiro, além de conservar no seio calado das tardes a infância de vidas. Residia não só um passado, mas toda uma riqueza de felicidade construída sob o colo áspero e singelo daquela genitora humilde e rude, conhecida como a tia Nazaré.

Uma mulher solitária, de sangue forte, que até os últimos dias de sua vida, em sua cultura de interior sempre foi sábia e muito amorosa.

Os que se diziam a favor da venda da casa eram os que nutriam um sentimento, porém compreendiam que a venda da casa seria um passo para amenizar a dificuldade financeira, que a família estava atravessando, afinal das contas aquela casa, era um imóvel bem localizado e o que passou, passou, os que eram contra a venda da casa, usavam o argumento de tudo o que passaram lá e o que aquela velha árvore representava para eles e para a cidade. Nessas idas e vindas das discussões a matriarca com o seu voto bem medido e pesado foi definitivo para a venda do bem. Entre choros e reclamações a casa passava a pertencer ao senhor Fernando e sua família, que na primeira semana, logo após a compra tencionou a derrubada da mangueira.

Júnior da corrente dos sentimentais ia passando no ônibus viu a movimentação e percebendo de que se tratava desceu da condução e ligou para sua irmã mais velha, da mesma corrente de pensamento, que veio mais do que depressa contestar o feito do senhor Fernando.

Ela, alegando que eles levaram muito tempo plantando a árvore, cuidando, enchendo de carinho e tinha também um laço afetivo que envolvia as mãos de sua avó, que lá, também, residia o sangue de toda a família reunida, não achava justo acabarem com aquele patrimônio natural. O senhor Fernando a principio encarava como sendo coisa de mulher, na verdade não estava acreditando no que estava acontecendo, mas quando chegou Higino, o caçula de dona Dina, e a população começou a se aproximar hostilizando e se apaixonando pela causa. Ele de imediato ligou para o seu advogado e pediu orientação. Em seguida expôs que ninguém tinha nada com isso, pois a casa agora era dele e ele faria o que queria. Contudo, quando o seu capataz golpeou a árvore foi imediatamente impedido, numa confusão que generalizou–se por toda a rua, envolvendo a todos os curiosos e os manifestantes iniciais, precisando de interferência policial, para parar, aquilo que a rádio local, sem entender ao certo, chamara de absurdo.

A questão ficou tão acirrada, que o jornal impresso e televisivo levou a situação ao âmbito nacional. A ponto da justiça ter que interferir colocando o senhor Fernando no banco dos réus da cidade, pois era crime ambiental.

Além de levar muitos a pensar, qual diferença realmente faz uma árvore na vida de cada um de nós. Uma simples sombra, uma simples folha, um simples galho, um fruto e o oxigênio, que ela proporciona. Além de servir, de abrigo a várias espécies, tinha envolvido a questão da memória, da lembrança de infância. Tudo isso foi usado como argumento, pelo promotor que defendia a permanência da árvore.

Os advogados do réu alegavam que a propriedade foi comprada, que houve uma perda capital, que poderiam plantar ali outro tipo de árvore, que aquela mangueira era perigosa demais.

No dia seguinte toda a imprensa e os curiosos queriam saber o que foi deliberado pelo juiz que julgou, mas passou uma semana até sair o resultado, que optou pela permanência daquela mangueira.

Saindo o resultado houve quem festejasse com a alma em paz e amor, bem como, aqueles, que tiveram que se contentar com a supremacia das vontades. A democracia livre enfim, acordando a justiça para tomar o seu lugar na história de mais umas vidas.

A democracia pela democracia gritava os mais exaltados. Após o resultado definitivo houve gente que se abraçou a árvore, houve gente que se emocionou, chorou copiosamente, mesmo assim, são homens, que em nome do progresso continuam matando o planeta.

Alberto Amoêdo
Enviado por Alberto Amoêdo em 20/05/2008
Reeditado em 17/01/2013
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