MEUS PAIS FORAM VIAJAR

Meus pais foram viajar. Simplesmente chegaram na noite anterior à viagem e anunciaram para mim e meu irmão de 21 anos que iriam embarcar para uma viagem de oito dias ao Nordeste na manhã seguinte.

Confesso que além do choque, senti-me traída. Meus pais iriam viajar sem mim. Só os dois, na famosa segunda lua de mel que às vezes os casais inventam para tentar reanimar um casamento falido. Não sei se era o caso deles, o fato é que o Cris, meu irmão, exultou. Eu engoli minha frustração e não levantei cedo no dia seguinte para me despedir. Eles que fossem para o Nordeste e para os quintos do inferno também.

Pelo menos fome a gente não iria passar. Rosa, nossa empregada de anos, continuaria com seu horário normal durante o dia. A noite, portanto, estava entregue a mim e ao Cris. Meu medo estava justamente aí. Com quinze anos recém feitos, eu era apenas uma criança, enquanto minhas amigas se maquiavam, namoravam e algumas até já transavam com eles. E eu era ainda a filhinha do papai. Quando não era ele que me levava à escola, era minha mãe. O Cris já cursava Direito àquela época, embora a minha impressão é de que ele estivesse meio perdido. Perdido em meio a festas, maconha e sexo. Enfim, se meus pais não enxergavam essas coisas, eu que não iria contar.

Ficou combinado de o Cris me levar na escola até a volta deles. No primeiro dia ele não acordou na hora. Juntei uma grana que tinha e, desesperada, fui de táxi. Eu era tão bobalhona que nem sabia qual linha de ônibus passava na frente do meu colégio. Durante todo aquele primeiro dia, senti-me estranhamente sozinha. Parecia que minha família tinha morrido em um acidente nuclear e só havia restado eu.

Voltei para casa de carona com minha melhor amiga e implorei para a mãe dela me levar todos os dias para a escola, já que eu não podia confiar no Cris. Resolvida esta questão, cheguei em casa e encontrei o almoço prontinho. Meu irmão tinha acordado e saído para a faculdade. Eu almocei sozinha, enquanto a Rosa arrumava a casa. Senti-me péssima e perdi a vontade de comer. Então solidão era assim? Que coisa horrível! Lembrei que minha avó paterna morou por anos em um casarão não muito longe da minha casa, totalmente só, depois que meu avô resolveu se matar na frente dela. Ninguém, nem os filhos, nem os netos – nem eu – iam visitá-la com freqüência. Um dia ela morreu. Encontraram-na morta, jogada no meio da sala. Remorso total, choradeira. Morrera de tristeza, disseram todos. Depois, o fato foi esquecido. Só foi lembrado por mim, enquanto eu chorava na cozinha, com minhas lágrimas se misturando ao estrogonofe de frango que a Rosa tinha feito especialmente para mim. Solidão. Palavrinha tenebrosa. Eu jamais sobreviveria se tivesse que viver sozinha como minha avó.

Os outros dias foram repetições do primeiro. Cris pouco se importava comigo. Meus pais ligavam todas as noites e eu mentia que estava tudo bem. Mas eu não comia direito, chorava quando me via sozinha e tive que dividir minha casa com a namorada do meu irmão e com a turma de amigos dele que fizeram uma churrascada na garagem para comemorar sabe-se lá o quê. Música, bebida, gritaria – acho que rolou até alguma orgia – até altas horas da noite. Os vizinhos chamaram a polícia para dar um jeito e o silêncio voltou. No outro dia, a Rosa teve um choque com a imundície que eles deixaram e ficou uma arara. Eu não falei nada. Meus pais voltariam no dia seguinte. Encontrariam-me com dois quilos a menos. Para completar, a amiga que me dava carona pegou um gripão. A Rosa me deu dinheiro para o ônibus e aprendi a andar de transporte público na marra, com o coração saltando no peito. No final deu tudo certo. Aprendi a ir e voltar e com o passar dos tempos, gostei da minha liberdade. Mas não da solidão.

Quando meu pai soube da festinha do Cris, achei que ele ficaria louco. Pelo contrário! Riu, gargalhou quando soube da polícia e deve ter achado que o filhinho dele era um belo de um garanhão. O cheiro da maconha ficou impregnado na garagem, mas acho que meu pai não sentiu. Talvez porque fumasse também, quem sabe? Eu só sei que quando meus pais voltaram daquela segunda lua de mel, eu já havia crescido. E se quiserem, podem viajar de novo. Da próxima vez, eu prometo não chorar mais.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 25/05/2008
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