A Arma

Numa manhã de agosto, A. viajava sozinho rumo a uma cidade do interior de Goiás. A rodovia estava deserta. Como havia muitos buracos no asfalto, ele mantinha os olhos presos na estrada, preocupado, apenas com o estado deplorável da pista. Não queria arrebentar o carro num buraco.

De repente, na beira da estrada, avistou duas mulheres. Elas pediam carona. Por um momento, se lembrou dos perigos de levar desconhecidos no carro. Perdera a conta das pessoas conhecidas, que se deram mal dando carona. Prevenido, não pararia. Talvez não muito bem prevenido, por que ao se aproximar e ver que se tratava de duas simpáticas e inofensivas velhinhas, mudou de idéia. Parou e abriu a porta do carro.

Elas disseram que ficariam na próxima cidade, a mesma para onde ele se dirigia. A mais velha sentou-se na frente, ao seu lado e carregava consigo uma sacola, destas de viagem, que não parecia tão leve. A outra, ocupou o banco de trás.

Perguntaram seu nome e até o que iria fazer na cidade. Depois de ficarem um bom tempo caladas, a de atrás começou a falar. A outra se voltou para ouvir e a ajudou a encompridar a conversa, que logo se transformou numa animada prosa. Não pararam mais.

Ele dirigia em silêncio, estava muito mais atento aos buracos da estrada do que aos assuntos da conversa das duas. Às vezes prestava atenção, por alguns segundos, para ouvir o que elas falavam, quando o tema da conversa era interessante. Mas, logo desviava o pensamento. Comumente não pensava no que falavam, não pensava em nada, somente em desviar o carro dos buracos, que eram muitos, e livrá-lo de maiores estragos.

O assunto da conversa passou a ser a violência. A de trás contou que o sobrinho fora assaltado três vezes nas estradas. Na última, perdeu o carro e tudo que tinha, foi um horror. Foi aí, que a da frente mostrou-se triunfal:

- Eu ando com uma arma. Por isso, não tenho medo de nada nem de ninguém. Eu me defendo com essa arma. Mnha força está nela.

Ao ouvir aquela súbita revelação, ele sentiu um calafrio lhe subir pelo corpo e todos os seus sentidos entraram em alerta. Aí então, passou a acreditar que entrara numa fria, dando carona àquelas mulheres. Uma delas portava uma arma. Pelo visto, não seriam tão pacíficas e inofensivas como pensara, e podiam até ser duas assaltan-tes perigosas, disfarçadas de velhinhas. A revelação de que possuía uma arma, poderia muito bem, ser um sinal para iniciarem um assalto.

Entregue a esses pensamentos, desligou-se, completamente, da estrada, imerso nas suas interrogações sobre as duas mulheres.

Cautelosamente, procurou estudar as feições de cada uma. Primeiro, a que estava a seu lado. Queria encontrar nela algum vestígio de natureza criminosa. Mas não notou nada que o fizesse suspeitar dela. Olhou pelo espelho retrovisor e viu apenas os cabelos da outra, enlouquecidos pelo vento. Não conseguiu ver o seu rosto. Ela estava sentada bem atrás dele.

Do temor à curiosidade, hesitou em perguntar pela arma e, imediatamente, passou a juntar mentalmente os objetos de valor que levava no carro. Caso pedissem, saberia onde estavam. Rapidamente voltou fixou os olhos a frente, enquanto diminuía a velocidade diante de um grande buraco que surgiu de repente.

Passaram-se alguns segundos de absoluto silêncio. A mulher que dissera estar armada tirou uma bolsa da sacola que levava no colo. Apertou-a junto ao peito, e disse batendo na bolsa:

- Está aqui minha arma, com ela não tenho medo de nada. Querem ver?

Ele prendeu a respiração e receoso disse sim. Endireitou-se ao volante procurando ver a arma, e olhou curioso para as mãos da mulher. Aí, ela tirou um livro de dentro da bolsa, sorriu e mostrou: era a bíblia.