Um cardiologista
Então: o poeta muniu-se do estetoscópio e passou a auscultar as palavras. Mal sabia que o fino retumbar de corações não pertencia aos substantivos, nem aos adjetivos, nem aos circunflexos; era o seu próprio miocárdio convulso. O poeta, comovido, pescou as palavras que lhes eram taquicárdicas. Escreveu:
Um choro pulsa em seu peito ferido,
Transbordando em triste oceano.
Doce mulher, que teme a efemeridade do sonho
Passará mil contas no seu rosário madrepérola.
A emoção em descobrir uma mulher em suas linhas só se compara à sensação do primeiro homem que olhou o céu escuro e teve medo da tempestade. Era daquelas mulheres que usam rendas, batem chinelas nos calcanhares secos e sussurram ferozes orações diárias.
Sim, sim: sou a mulher que tem a pele rebentada por moléstias-do-mundo, que prefere o sofrimento legítimo ao prazer forçado, e que faz rosários das lágrimas. Tantas delas...
O poeta temeu pela criatura miserável que colocara no mundo, este que deveria ser proibido para crianças. O criador como semelhança da criação.
Como um ato de vida, amassou as folhas rabiscadas. Ouvia rangendo os ossos de Tereza. O coração dela era um breve tiquetaquear de relógio envolvido em toalha. Após desvencilhar-se do estetoscópio, atirou o corpo da mulher pela janela.