Caminho do Mar II

O sol por detrás do monte já dava sinais que suas forças logo seriam vencidas pela força suave da lua. As sombras das veredas se azulavam vagarosamente. Um vento frio esbarrara em meu rosto desfazendo meus cabelos. Fecho o vidro da janela do ônibus e vejo um rosto refletido. Contemplo, encanto-me. Parece miragem. Um rosto assim não pode existir. Será a Nossa Senhora dos Canaviais que está refletida em minha janela? Passo a mão no rosto. Esfrego os olhos. É um sonho? Agora pareces olhar para mim.

Ora inocência, estava tão absolto na contemplação da paisagem, na despedida do sol naquele fim de tarde. Na minha mudança de cidade. Mais presente no futuro e agarrado ao passado que não percebi que a imagem na minha janela eras tu. Estavas tu sentada na cadeira lateral do corredor do ônibus logo na minha frente. Num movimento rápido te olhei, já não mais estavas a olhar para mim. Abaixaste a vista no tempo ainda de perceber-te rubra. Em alguns segundos te olhei. Olhei em segundos um futuro atrelado ao meu presente descobrindo meu passado sem o que nada mais teria sentido.

- Loucura! Ela nem olha para mim. Como eu posso conceber a idéia de seres a minha prometida?

É certo te sonhei olhando o teto do meu quarto dias e noites. Desenhei teu rosto na minha memória e todo tempo acreditei na tua inexistência. Vivi com tua ausência e tua ausência agora nesse instante não existe mais em mim. Que fazer, que faço?

Uma fagulha, de esperança, vindo pelo vidro da janela. Tu olhas para mim novamente. Viro-me. Quero encontrar teu olhar no meu olhar, é minha chance! Um olhar apaixonado sem dúvidas se encarrega de suas confissões. Meu olhar me fará réu confesso do teu encanto. Teu rosto se me tornas austero. – Meu Deus! Que fiz pus tudo a perder. Atrevido! Inconseqüente! Contempla-a pelo vidro da janela, contenta-te em saber sua existência e acalma o teu jovem coração. Quanto tempo e quantas coisas se descortinarão à tua frente. Foca-te nas tuas buscas pessoais e segue.

Apenas um segundo se passara uma nova história. Não era ensaio era a sena final. Grafada na página da memória e um segundo já era passado não voltara mais.

Não tinha o direito de te olhar assim. Muito menos te abordar. Não tinha nenhum direito. Eras para mim um sonho real, uma ausência em meu ser já preenchida e estavas bem ali ao meu alcance.

Eu um desconhecido não tinha nenhum direito.

A razão aclara o caminho. O vento surge. De onde vem o vento?

Sopra e muda tudo que encontra à sua frente. Vai, vem, rodopia escreve uma nova história. Sempre uma nova história. Ele não pára, segue. Sacode os bambuzais da beira da estrada e um novo momento acontece: já vejo a luz dos vaga-lumes nos arvoredos em mais uma subida. Na macha mais lenta. Descortina-se vagarosamente o horizonte. Já vejo as luzes da cidade. Já sinto que cheguei. Peguei minha mala. Deixei para traz a estrada era hora de minha descida. Olho-te mais uma vez. Um coração chorando e inquieto se despede. Já na calçada meu olhar fixo no ônibus que deu partida e numa última esperança te olho. Olhas para mim sorrindo. Fico imóvel, em estado de choque. Este é o sorriso que tantas vezes busquei nas noites e dias olhando o teto do meu quarto adolescente.

Quero gritar: parem este ônibus! Quero correr a mala me pesa me remete a passos lentos. O ônibus já dobra a esquina já não o vejo.

O vento sopra encanado sacode minhas roupas, rodopia balança a folhagem do figo, varre as ruas sujas do Recife. É outro momento outra história.

Quando me encontrar de novo com aquele rosto? Quando me encontrar de novo com aquele sorriso? Tudo é passado. A vida não tem ensaios e sempre cena final que fica grafada na lembrança e renova a cada segundo. Quanto tempo ainda me lembrar de você?

O tempo passou tão depressa. Os anos 70 estavam distantes. Os anos 80 deram partida. Acompanhaste-me nos vidros das janelas, te procurei nas vitrines das lojas, dos cinemas da Boa Vista, em cada rosto, em cada noite, em cada rua, no reflexo das águas do Capibaribe em cada ponte.

Soprou um vento novo leve suave.

Passaste por mim. Era você. Teu rosto, teu sorriso, era você. Quanto tempo? Fui atrevido, inconseqüente, me entendeste, te encontrei, tinha que te encontrar, tua ausência não existe mais em mim.

Crontei .

Depois eu cronto mais.

Manuel Oliveira
Enviado por Manuel Oliveira em 14/06/2008
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