Virada de página
Geninha, sempre enfrentara grave crise existencial devido a sua incômoda
situação de evidente ausência de beleza. E, isso começou cedo. Já na transição da infância para a pré-adolescência, eram notórios os traços disformes e nitidamente marcantes, os quais a acompanhariam para o resto da vida. Alta, magra, movimentos desordenados, nariz e olhos grandes, além
de farta cabeleira tendente às raízes afro -sem ser negra- reforçavam o conjunto da anarquia anatômica. Mesmo quando era trabalhada e produzida por mãos hábeis, num sofisticado salão de beleza, pouco alterava o visual original. Melhorava sim, porém, sem chegar a provocar
o esquadrão masculino, ao ponto de receber um flerte ou sinais de
aproximação.
Por tudo isso, ela nunca fora objeto de desejo do sexo oposto. No entanto,
seria oportuno e justo reconhecer que, se bem observada na sua anatomia
feminina, se denotaria no corpo, algumas linhas de sinuosidade e atração,
sem dúvida. Há que se ressaltar na sua história de vida, a sincera e amável
forma de se relacionar com todas as pessoas. Por isto, sempre fora muito
queridda e admirada pela comunidade em que vivia.
Agora, aos 37 anos, nas suas naturais divagações de amor, felicidade e
futuro, ela sente na pele e sobretudo no coração, os efeitos de uma vida
semi-árida, de vazio existencial sombrio no tocante ao amor. Às vezes
ela chegava a pensar se não teria seguido muito a risca, as recomendações dos pais, pela preservação de pureza e de controle rígido da compostura
nas relações? A aproximação de pretendentes, pode sim, ter se chocado
nesse muro de proibições que contraria regras mais liberais na atualidade
e vigentes no fascinante jogo da namoradagem.
Porém, dois fatos reais e alvissareiros mudariam o destino da excluída do
amor. Geninha, sempre vivera intensamente a religião que professava e
por isso era ativa colaboradora da Paróquia de Santo Ignácio. Nos últimos
tempos, especial brilho nos olhos e uma contagiante alegria, anunciavam mudança em seu mundo íntimo. É que ela fizera tão especial e vibrante amizade, como a que conseguira firmar com o Diácono Nuno, recém-vindo
da capital para o interior. Eles se identificaram como se conhecessem de
longo tempo.
Naquele nevoento 1º de abril, outro acontecimento mobilizaria a população da cidade. Alguém ficara rico e até às 16 h, o felizardo ainda não se apresentara pra receber o prêmio. Grande parte da população, entre ansiosa e otimista fora conferir os jogos. Só então, certa moradora
se dera conta de ter feito uma aposta-coisa rara- e rumara à casa de jogos
para conferir. Realizada rigorosa e acurada conferência, estava enfim,
identificada a legítima milionária: Geninha.
Assim, a partir daquele dia, sua vida mudara radicalmente. Vivia sufocada
por todo tipo de assédio; social, político, financeiro e mais, amoroso. Vou
pensar, repetia para todos. Passadas duas semanas após o inusitado
acontecimento, numa manhã de domingo, a pequena cidade fora pega
de surpresa pela evasão de dois de seus ilustres moradores.
Geninha e o Diácono Nuno, partiram de madrugada, para juntos em algum
lugar, começar vida nova à dois. Era o que dizia o bilhete deixado na
Paróquia da cidade.
Será que alguém, finalmente descobrira o radioso interior de Maria Eugênia? ...ou?