Choro Doce

O olhar fixo para o portão de ferro durou mais do que o ponteiro marcava. Na verdade, foram apenas segundos, repletos de indagações e dúvidas sobre os reais motivos da visita. Vagarosamente atravessei o primeiro obstáculo, subindo os degraus que me aproximavam dos nomes sem rosto. Como seria recebido? Acreditariam que seria capaz de motivar o sorriso da adorável filha? A sinceridade da minha fala acalmaria as dúvidas? Nos últimos passos estendi a mão para que encontrasse o toque de seus dedos. Ao alcançá-los me senti o homem mais seguro do mundo.

O momento do encontro, que antecipara em meus pensamentos por longos dias, havia chegado. A mesma mão que calou minha insegurança enquanto subia as escadas, agora mostrava o caminho. Entre as apresentações percebi que algo diferente chamava minha atenção. O brilho dos olhos, que me acalmava entre cada beijo dela, era igualmente cativante nas pessoas que me recebiam. Os sorrisos transbordavam felicidade e pareciam sussurrar, em meus ouvidos, palavras de conforto. Os abraços me convidavam a fazer parte daquele sonho, repleto de carinho e alegria. Quis trancar as portas por dentro e viver aquela paz entre as pessoas que considerava, poucos minutos depois, minha família.

Deixariam-me ficar pra sempre? Preferi acreditar que sim.

Faltava o mais importante. O que sentia por ela? Conheceria seus gestos de forma mais intensa e confirmaria as razões para o peito apertado. A sufocante saudade foi substituída pela alegria do reencontro. Poderia falar o mundo naquele momento, mas preferi agradecer em silêncio a felicidade que traçava meu destino. Seus lábios desenhavam a verdade e acalmavam minha alma, machucada por uma vida de incertezas. Finalmente a havia encontrado. Naquela noite chorei sozinho mais de uma vez. Choros doces, livres de traumas e mágoas, repletos de esperança. Levantei a cabeça e pensei no céu, ajudando as lágrimas alegres a terminarem o trajeto. Finalmente, a alma estava tranqüila.

Os dias se passaram e o momento da despedida surgiu. Lembrei das despedidas das quais fiz parte. Decepcionava quem esperava verbos de promessa e acreditava que um simples aceno era suficiente. Não era falta de consideração, era falta de coragem. A percepção do destino interrompido me entristecia e, diante de rostos que lamentavam, sempre preferi fugir. Mas agora era diferente! As palavras atropelavam os sentimentos, manifestando-se com força para que não houvesse dúvidas. Os gestos, desordenados para os olhares externos, refletiam a vontade de ficar. Abraços e beijos resgatavam o perfume e me faziam sonhar com a próxima vez. Em momento algum desejei o choro. Queria apenas um “volte logo”, serenamente pronunciado e com transbordante sinceridade.

Caminhamos em direções opostas, sem olhar pra trás. Acomodei-me em meu assento e percebi que ela não estava mais lá. O engano durou pouco. Fechei os olhos e senti as mãos, que me resgataram do sono da vida, protegendo as minhas enquanto o rosto se acomodava em meu ombro.

O choro doce nunca mais estaria sozinho.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 30/01/2006
Reeditado em 14/11/2006
Código do texto: T106247
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