CASAMENTO NORDESTINO.

Quando o crôntista conta suas histórias são narrativas que foram vistas de ângulos privilegiados ou relatos de fontes em que a fidelidade não é em hipótese nenhuma questionável. Partindo desta introdução, os exageros e as incredulidades ficam por conta dos queridos leitores que nos prestigiam tornando-nos apaixonados, tal qual um Romeu por Julieta, mas sem tragédia, pela literatura.

- Papai! Como foi o seu casamento?

- Encontrei tua mãe na feira do sábado.

- Meu filho não acredite na história que essa “veio” vai contar, é tudo invencionice dele.

- Mamãe! Deixe-o contar a versão dele;

- Mais é tudo mentira meu filho!

- Deixe mamãe!

Nada substitui as reuniões de família. Os sonhos muitas vezes inimagináveis têm sua origem e rodeiam as histórias de família. Os laços familiares são eternos. Rompem as barreiras do tempo e vão muito além do horizonte quando ocupam outras dimensões. As histórias de família são no varejo a composição da história de uma nação. Quem haveria de perpetuar os costumes, comportamentos, as crenças e ideologias, na ausência da convivência em família?

A família nesse início de século, urgentemente tem que ser repensada. Estamos agindo muito de forma precipitado com imediatismo nas relações pessoais e pensamos pouco nas nossas responsabilidades com a história, comprometendo gerações futuras.

Nesta reunião por ocasião dos 61 anos de casados, depois de 60 anos o patriarca da família resolvera contar como fora o seu casamento. Obviamente toda vez que lhe era feita tal pergunta havia sempre uma desconversada e o fato e que em nenhum momento viemos saber como havia sido. Não houve fotos. O único fotógrafo da região havia feito uma viagem para uma cidade vizinha, segundo eles. E a respeito disto as especulações rolavam soltas, desde “papai o Sr. Fugiu com mamãe “até “papai duvidamos muito mesmo se houve casamento”. A matriarca irredutível e muitas vezes incomodada, um pouco, dizia: o casamento houve. Agora, antigamente tudo era muito diferente meus filhos, e corria pra cozinha com o pretexto de que algo estava queimando, enquanto o patriarca perguntava quem bateu na porta.

O assunto era transferido novamente para o ano seguinte. E ficávamos chupando dedo diante daquele mistério, quase um segredo familiar. Mas, naquela noite o “veio” resolvera falar.

Pensem num silêncio que se fez para escutar a história. Até Paloma, uma cachorrinha que criamos parou a respiração e descansou as patinhas entre o focinho e os olhos. Zé pequeno, neto mais novo, arrastou a cadeira. Os ouvintes quase foram à loucura, nada podia a atrapalhar aquele momento. Vai que acontece uma nova desconversa e pronto tudo continua mistério.

- Como eu ai dizendo, encontrei a mamãe de vocês na feira do sábado.

- Vocês num vão acreditar no que esse ”veio” vai contar, vão?

- ô minha veia se você num deixar num conto.

- Pra que querem saber essa história, agora? Num foi tudo certo com padre e testemunha.

- Olhe minha veia! Você num quer, num conto.

- Diga sim mamãe, diga sim. Pareceu-me um coral de vozes pedindo um sim da matriarca.

- Ah! Papai, de novo!

Novo coral de vozes e muitas gargalhadas. Ouviu-se apenas um gemido seguido da saída de Paloma da sala, devia ser de protesto. Afinal com um misteriosinho a festa fica melhor, num acham? Vamos para os 62 anos de casados com as bênçãos de Deus.

Ficamos chupando dedo novamente. Mas se servir de consolo, estamos num viés de investigação que está nos levando aos fatos. Prometo celeridade e crontarei a todos com certeza, só adianto que pensem num casamento inusitado, sem noivo nem noiva.

Depois vivem dizendo por ai que quem manda na história é o homem. Deve ser coisa de antigamente.

Crontei.

Depois eu cronto mais.

Manuel Oliveira
Enviado por Manuel Oliveira em 06/07/2008
Código do texto: T1067596