O fanfarrão.

O Ormigrein ainda não dera o efeito. A latente enxaqueca que me atazanou toda tarde, fazia-me agora à noite, um miserável. Não quis fazer como os elefantes, que se isolam para encontrar a morte. Arrumei uma cadeira espalhafatosa, dessas de lona, para praia e pus-me no centro da sala cheia de família. Todos falavam. Todos somavam suas vitórias. Notei o velho inquieto, sedento de atenção. Era. Ele fazia piruetas com a dentadura dentro da boca. Era o “plimplim” para que se transformasse daquela forma surrada no cavaleiro forjado. Começou de mansinho, quando alguém falou cabrito. Não sei porque alguém falou cabrito. Não me interessava. Mas ao velho não. Ele tomou a palavra cabrito e desfiou a estória...

“Naquela época, nesta cidade que está aí, só havia um médico que clinicava. O povo todo consultava com o doutor Luiz Rodrigues. Vinha gente de todas clareiras de mata. O meu pai tinha um mal no estômago, tão ruim que não podia andar. O único cavalo que tínhamos fora vítima das pessonhas de uma surucucu e de má sorte estávamos a pé. De Patrão-Mor até a sede, de perna, é pra dias. Pois calcei minhas botas de couro cru, ajeitei o velho nas costas e toquei pra cidade. Só dei uma pouca parada na casa do Germano. O Doutor Luiz Rodrigues nos atendeu bem. Disse que meu velho devia repouso e receitou que ele só deveria comer guisado de cabrito. “Cabrito, mas bem maciinho”. Trouxe o velho pra casa, desta vez não parei sequer pra gole d´água. Tempo daquele ninguém criava cabrito, precaução. Ninguém queria cevar onça. Cabrito, nem pra remédio. Olegário Damascena, que morava numa ilha do Rio Doce, lá na altura do Papagaio, tinha uns. Fui lá. E era longe. De pernas, era dias. Trouxe o bicho, “vivinho da silva”, berrando, isca de onça, no lombo. Tive de passar matas sem estradas que cobriam morros e vales, águas sem barco. Mas o bicho veio. Eu não tinha medo de nada, nem de assombração.”

Todos na sala sequer piscavam, imóveis, bons ouvidos. O velho satisfeito com a platéia, disse – “quanta coisa já fiz nesta vida que já estou velho”. E sentindo que tinha audiência para mais, emendou mais uma. “assombração naquela época tinha centos”. Antes que ele prosseguisse, o encarei de enxaqueca, falei: ora, o senhor não está velho não. Velhos não são dados a contar mentiras. Todos riram de rir, ele também e eu ri postiço. O velho perdeu a vez de falar e continuou a fazer malabarismos com a dentadura.

Visite meu blog: www.cronicasdojoel.blogspot.com

Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 01/02/2006
Código do texto: T106943