Escuridão

“...Mas é carnaval, não me diga mais que é você

Amanhã tudo volta ao normal

Deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar

Que hoje eu sou da maneira como você me quer

O que você pedir eu lhe dou, seja você quem for,

seja o que Deus quiser ...”

Estava eu pronto para ir ao chuveiro tomar meu banho matinal, hoje é domingo, acordei mais tarde, até para um domingo, quando percebi que não havia luz, logo desisti do banho, preparei algo para comer, baseado em café amanhecido, frutas e pão de forma. Peguei um antigo walkman a pilhas, liguei – o, tocava esta velha música de Chico Buarque, justamente nesta mesma parte, Noite dos mascarados se não me falha a memória.

Lembrei-me de Daniela, garota linda, trabalhava comigo em um birô de telemarketing, alta, com seus: quase um metro e oitenta, cabelos tão longos quanto pretos, ela tinha uma maneira peculiar de colocar o cabelo atrás das orelhas ao falar, também quando falava ela gesticulava com as mãos como se rabiscasse no ar o que dizia, seus lábios abriam e fechavam com a mesma graça que se vê no lindo bater de asas de uma gaivota.

Ela não era uma grande amiga, pra dizer a verdade, em alguns de nossos encontros ela apenas me cumprimentava com um leve sorriso e um balançar da cabeça, em outros, nem isso. Em uma festa de final de ano da empresa, ela apareceu acompanhada com seu namorado, o sujeito era alguns centímetros mais baixo que ela, moderno corte de cabelo, casaco de couro, óculos escuros na cabeça (apesar de ser noite) e um molho de chaves nas mãos (apesar de ter inúmeros bolsos), em algum filme que assisti recentemente, uns dos personagens falou que a roupa faz o homem, quando o homem é pequeno ele usa muita roupa para compensar, agora entendo aquelas pessoas que glorificam um carro, uma moto, um cargo, um posição, entendendo também o jovem namorado da moça.

Mas o dia que a música fez acordar de minhas adormecidas memórias, foi um encontro não marcado que tivemos fora da empresa, em uma festa a fantasia, fui acompanhado e a convite de um amigo de longa data, fantasiado de médico, que se tratava apenas de um avental branco e ela de fada, trajando um colam azul, uma saia de babados, uma coroa no centro da cabeça, e claro, a varinha com uma estrela na ponta.

Depois do inesperado (para ambos) encontro, ficamos conversando por algum tempo, estava com uma lata de cerveja na mão, me ofereci buscar outra para ela, ela recusou dizendo que não bebia, eu insisti, e ela tornou a recusar, dizendo que não era de maneira nenhuma uma “Maria vai com as outras“, que ela tinha princípios, não bebia e ponto. Perguntei sobre seu namorado, ela disse que ele ficara em casa, por algum motivo que não me recordo, sorri e perguntei se ele era ciumento, afinal não era todo o namorado que deixaria uma linda moça sair sozinha para uma festa, ela me disse em tom sério, que ninguém a estava forçando ela ficar com o namorado, que o namoro e o namorado era uma opção única exclusiva dela, se ele foi o escolhido não teria motivo para ele ter ciúmes. Conversamos ainda sobre algumas coisas do serviço e depois nos separamos, fiquei na festa por muito tempo, bebendo e revendo velhos amigos ou papiando com os recém adquiridos.

Quase amanhecendo saí sozinho de lá, pois o amigo que me trouxera, acabou nos braços de uma antiga namorada e optou por leva-la em casa, enquanto eu voltaria através da sorte. Andei uns dois quarteirões em busca de um ponto de ônibus ou taxi, quando avistei Daniela, estava parada de braços cruzados, junto ao seu carro de capô aberto, cheguei perto dela, disse-lhe qualquer coisa, ela assustou, virou, reclamou e depois sorriu e pediu desculpas.

Disse-lhe que eu não entendia nada de mecânica automobilística, mas poderia ser um acompanhante para voltarmos a pé, ela disse que o seguro já fora acionado, mas agradecia a companhia para esperá-lo, eu falei que por ela faria qualquer coisa, até levá-la nas costa, dito isso, ela saltou por cima de mim, me desequilibrando, ao mesmo tempo que ela fazia um barulho de cavalgada com a boca.

Ficamos ali por quase uma hora, após o socorro chegar constatar que era um defeito simples, ela se ofereceu a me levar em casa, antes combinamos de passar em algum lugar para tomarmos um café da manhã. Indiquei uma padaria, a qual eu já era freguês, entramos, sentamos, comemos e entre o pedido da conta e a chegada dela, nos beijamos.

No caminho até em casa fomos mudos, chegando em frente de casa nos beijamos e nos acariciamos sem pudor, convidei-a para entrar e dormir um pouco ela a princípio recusou, depois acabou concordando, arrumei uma roupa de dormir para ela, novamente nos beijamos, então o inacreditável aconteceu, ainda posso sentir sua pele lisa, macia, fresca de mulher em meus lábios e mãos.

Depois, só fui acordar numa manhã de domingo parecida com esta, Daniela já havia saído, no dia seguinte a procurei na empresa e soube que ela havia mudado de turno, depois de um mês eu saia da empresa e nunca mais nos encontramos.

Três ameaças após a luz enfim voltou, e eu, voltando com ela para minha vida e meu banho matinal.

Fabiano Fernandes Garcez
Enviado por Fabiano Fernandes Garcez em 18/07/2008
Reeditado em 18/07/2008
Código do texto: T1086319