Minha garrafa de um litro e meio.

Minha garrafa de água está à dois anos e meio comigo.

São dois anos e meio que minha garrafa de um litro e meio está comigo.

É o máximo de tempo que alguém ao meu lado pode estar.

Minha garrafa de água esteve comigo quando eu sofri pelo descaso de não ser amado e na luxuria de expandir meu desprezo.

Ela me viu quando eu estava demonstrando minhas fraquezas e meu ódio.

Ela esteve comigo quando descartei amores iguais a ela, mas minha garrafa de um litro e meio não me deu o amor falso dos corações gelados que a vida colocou a meu redor.

Mesmo estando cheia, ela aguentou minha chatice do sofrer. Repôs as águas do meu choro quando só me restava chorar.

Nos momentos ruins, ela estava ao meu lado esquerdo da cama com o olhar atento para me cuidar. Eu acordava de um pesadelo e lá estava ela para me consolar.

Ela me dava o que eu necessitava quando o mundo queria me dar mais do que o necessário, mais do que eu preciva, mais do bastante para se viver.

Ela sempre foi singela para entender que quando há coisas que não entendemos e não gostamos de passar, somente estar ao lado já basta, somente um “estou aqui” é o bastante.

No silêncio da minha garrafa de um litro e meio estive satisfeito por ela não me abandonar; por ela não me falar coisas que não fiz e devo fazer; por ela somente estar aqui, estar ao meu lado quando preciso de alguém para estar.

Quando o sol brilhava em um domingo de mágoas e solidão, ela brilhava e irradiava seu brilho no meu quarto: era vermelho, azul, amarelo, verde; são cores de alegria para preencher a desalegria.

E quando estava vazia, quando já não tinha nada para ser útil e ser lembrada, quando apenas um vento a derrubava, lá estava ela caída no chão esperando eu a lembrar. Enquanto o mundo se acabava, ela estava jogada no chão fiel a minha presença; e esperando - para quem sabe um dia - eu lembrar que ela existe e que quer estar mais alguns anos ao meu lado.

Então fiz este escrito para agradecer minha garrafa de um litro e meio por estar ao meu lado; e dizer que lembro dela e agradeço por ela estar aqui: olhando por mim quando ninguém mais olhava.

Agradeço minha garrafa de um litro e meio por saciar minha sede no deserto do vazio do meu peito, no deserto do vazio do meu pensamento.

Obrigado minha garrafa, eu só precisava de algo simples como sua água para me sentir feliz por alguém ter o amor de dar e não esperar nada em troca. É nessas banalidades que nem nos lembramos que estão o mundo que precisamos, é nesse gesto simples que está o complexo e a lógica tão arrogante que esperamos. No simples toque de um beijo está toda a vida que mais desejamos.

Desculpa por ter te queimado com meus cigarros, e desculpa por fazer você olhar eu me queimando e me cortando na espera de alguém para me ajudar.

Enquanto as pessoas esperavam Deus para lhes tocar e curar tudo da ferida aberta de viver, eu só queria a água da minha garrafa de um litro e meio que me manteve salvo e vivo.

Posso não chorar; posso demonstrar que não me importo quando me importo; posso rir quando não há nada para rir; vou vivendo enquanto ainda posso; mas no fundo sempre me lamento, sempre guardo a nostalgia de algum dia o amor me fazer feliz.

Minha garrafa de um litro e meio sabe disso. Na solidão da alvorada e do crepúsculo, no vazio de mais um dia, a cada tentativa de tornar a vida menos agonizante e a morte menos assustadora, sabe que no fundo nunca desisti do amor; e talvez eu seja um dos últimos a acreditar que no romantismo fúnebre e vivaz encontramos uma saída, seja na morte seja na vida, mas é no amor que quero enterrar minha vida.

Obrigado minha garrafa de um litro e meio.

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 31/07/2008
Reeditado em 29/10/2008
Código do texto: T1106660