Na Central

Na Central

Encostada estava na coluna da porta do bar. As colunas eram de mármore verde tresmalhado de branco e marcavam um tempo em que fora um lugar de progresso marcante e, hoje, decadente. Já era bem tarde, madrugava.

A mulher usava um vestido “colant”, uma peça única. Uma das pernas apoiava-se na coluna. Maneava a perna suavemente fazendo ondular o vestido. Fumava com muita delicadeza. Sem pressa .

Seu corpo, conforme deixava deslumbrar o vestido, era roliço, quase por inteiro; no lugar do umbigo, havia uma mossa. As pernas arredondadas e grossas, eram bem lisas. Os pés, grandes e chatos, faziam saltar fora das sandálias os dedos retorcidos, voltados para baixo, indicando que subiam ladeiras constantemente. A natureza habilita a pessoa a se adaptar às condições do terreno. Seus pés se tornaram assim para mais aderir ao chão, ter mais área de atrito, equilibrar o corpo. Quão importantes são os pés!

A boca enorme, de lábios fartos, indicavam volúpia; as narinas, deixavam escapar, vez por outra, a fumaça do cigarro. Os olhos eram tristes, mas, às vezes, tinham lampejos de alegria.

Lá estava a balançar a perna suavemente. A clientela passante olhava, avaliava, perguntava o preço. Uns seguiam logo em frente, outros iniciavam um diálogo para depois irem embora, também. Até que parou um, conversou mais tempo e, desta conversa, seguiram-se algumas carícias. Já iam para o hotel quando a mulher advertiu: vale tudo, exceto tocar nos seios. O cliente ficou um tanto surpreso e quis saber a razão. Ela não revelou e insistiu: não me toque nos seios. Os seios, sim os seios. Eram fartos, grande, sustentados por um sutiã que tudo encobria. Eram intocáveis!

A mulher e o cliente acertaram uma redução do preço por causa deste detalhe e foram para o hotel. Ele em busca de alguns momentos de prazer e ela, do dinheiro. E lá ficaram o tempo necessário para se completarem, cada qual atendendo as suas conveniências. E tudo acabou. Já era madrugada, clareava. Ele foi embora e ela vestiu a roupa com toda calma, calçou as sandálias e acendeu um cigarro e tragou suavemente. Olhou pela janela. Um brilho marcante e feliz no olhar. Seu nome? Um nome de mulher!

Andou a pé e, mesmo àquela hora, atravessou o túnel e subiu a ladeira. Seus pés, (sempre os pés), iam ligeiros aderindo ao chão áspero com a energia da determinação. Por fim, chegou em “casa”. Como é bom chegar em casa!

Abriu a porta quase sem fazer ruído. A casa era um cômodo grande dividido em cozinha, banheiro e uma pequena sala. Um quarto! O quarto era o lugar nobre da pequena moradia. Arejado, voltado para o sol da manhã, limpíssimo e ornamentado. E no quarto estava o tesouro daquela mulher. Um berço! E, dentro do berço um menino de pouco mais de um ano. Estava acordado e quando viu a mulher, um sorriso ingênuo, franco e alegre aflorou de seus lábios. Os dentinhos reluziram na semi-claridade; os olhos cintilavam de alegria.

A mulher feliz e calma, como sempre, tomou um bom banho, trocou de roupa . E tudo fez com agilidade e delicadeza. Como se fosse um ritual cotidiano.

A criança alegre e sorridente, esperava . Herdara da mãe, a calma e a paciência.

A mulher chegou até o berço, pegou o menino, sentou-se e colocou-o no colo confortavelmente. Depois, abriu a blusa e os seios surgiram. A criança começou a mamar, a receber a seiva da vida. Uma interação completa entre mãe e filho. Ele olhava para ela com olhos brilhantes; aquele mesmo brilho que por vezes cintilava nos olhos dela. E assim ficaram por um bom tempo. Ela cantava e ele mamava. Ele dormiu. Ela o colocou no berço, foi para a sua cama e dormiu, também.

Seu nome? Um nome de MÃE.

FARNEY MARTINS
Enviado por FARNEY MARTINS em 12/02/2006
Código do texto: T110946
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