Um ano em Pereirópolis XVII - "Administração"

Eninho morava com a avó Mercedes e a irmã Cássia, embora passasse algumas temporadas em outras casas: ora na do pai, ora na da mãe; ou ainda, nas dos vizinhos. Mesmo assim, não era mimado. Bem pelo contrário; era um guri muito querido. A única coisa nele que intrigava a todos era o gosto precoce por guardar dinheiro. Não chegava a ser um fascínio macunaimesco pelo vil metal, mas, desde pequenininho, manusear os cobres era muito de seu agrado. Em vez de pedir baia ou doxe, como faziam os primos e coleguinhas da mesma idade, pedia dinheio, estendendo sem nenhuma vergonha a mãozinha gorda com a palma para cima. E escondia tudo o que ganhava: debaixo do colchão, dentro de gavetas, nas canecas de chope. Um dia, quando ia começar a fazer o almoço, a avó encontrou uma nota de mil cruzeiros dentro da lata do arroz. Quando lhe perguntavam “o que esse dinheiro tá fazendo aqui?”, a resposta do individuozinho era sempre a mesma: “Poque eu tô ’colomizando”.

Era mês de fevereiro, umas semanas antes do primeiro dia do Eninho na escola. A avó, provavelmente querendo evitar que o guri desse algum vexame e fosse pedir dinheiro para as “tias” no colégio, chamou-o num canto e disse:

“Ó! A vó vai te dar um dinheirinho. Mas não é pra deixar guardado. Tem que administrar.”

Sem nem piscar, o guri pegou a nota da mão da avó e saiu correndo para o Bolichão do Ataliba. Dali a pouco, voltou com três pacotes de goma e quatro chiclés que tinham figurinha da Copa do Mundo. E, em vez de uma nota, voltou com três e mais um punhado de níqueis no bolso. Mal chegou em casa, largou as compras na mesa da cozinha e fez novamente o mesmo trajeto. Retornou em seguida com três paçoquinhas de amendoim, mais notas e mais moedas. Assim, ao longo de uma hora interminável, Eninho seguiu no vai-e-vem. Não conseguia ver o fim daquela empreitada. A cada ida ao mercado, trazia mais guloseimas, e nada de o dinheiro acabar. Passada uma hora e meia, exausto, o guri foi até a sala das costuras da avó, esbaforido, ensopado de suor, fazendo um cestinho com a camiseta. Carregava um monte com quase todas as variedades de doces do Bolichão do Ataliba.

“Vó?”

“Oi, Eninho.”

“O dinheiro ainda não acabou. Será que eu posso parar de dimilistrar agora?”

A avó riu muito, e guardou os doces em uma lata. Ninguém sabe ao certo quanto foi que Dona Mercedes deu ao Eninho. E antes que ela perguntasse, mais que depressa, ele guardou o troco.

A lata do Eninho virou um mito; durante muito – e põe muito nisso – ele levou merenda de casa para o colégio, e não dividia com ninguém. Dizem que até hoje tem pacote de gominhas lá dentro, que ele nunca quis comer pra não acabar.

E ele continua pão-duro.