Faltou Visão

- Tá pensando em quê?

- ... Em nada.

- Impossível pensar em nada. Sempre tem algo.

- Já disse, não é nada.

- O que, vai me dizer que tá com a cabeçinha vazia agora?

- É... isso mesmo.

- E espera que eu acredite?

- Você que sabe.

- Não precisa esconder... você quer me perguntar alguma coisa?

- Do que você está falando?

- Mesmo quando pensamos em nada, estamos pensando em alguma coisa.

- Tá bom...

- É sério!

- Já disse que "tá bom"...

- Você não acredita, né?

- Só quero ficar quieto.

- Quieto e pensando em nada?

- É, isso.

- Pra alguma coisa que não é nada, você até que está bastante preocupado.

- Entende de uma vez: não é que eu queira pensar “em” nada. Só quero ficar sem nada pra pensar!

- E você ainda diz que não é nada. É comigo?

- O que?

- Esse monte de besteira que você falou agora. O problema sou eu?

- Me deixa...

- Ah... tava demorando... começou com “não é nada” e, devagarzinho, foi mostrando as garras, né?

- Do que você está falando?

- Não precisava se esforçar tanto... vou embora.

- Eu não...

- Relaxa, não é a primeira vez.

- Mas o que...

- Homem de boteco dá nisso, mesmo! Eu é que sou burra!

- Você nem...

- Vem com esse papo de bebidinha, torce pra quem... fez aposta com a turma pra ver quem pegava a vesguinha, né???

- ... você é vesga?

- Esquece, seu babaca! Da próxima vez, finge que nem me viu!

- Espera...

- Ah! E avisa aos seus amigos de merda que você conseguiu! Parabéns, trouxa!

- Eu não...

- Fui!

Ainda se esforçou pra mostrar algo a ela, mas a porta do quarto já estourava a raiva dos músculos femininos. Burro. Se soubesse, teria falado antes. Devolveu o olho de vidro para dentro do buraco que comia o rosto e começou a se sentir um lixo.

Um nada.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 03/08/2008
Reeditado em 02/12/2008
Código do texto: T1111680
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