Um ano em Pereirópolis XVIII - "Torcida"

Noite dessas, fui no Guarany, pra uma reunião com os sócios antigos e membros da diretoria – e eu me incluía entre ambos. Estavam pensando em montar um time de futebol feminino juvenil, porque, dizem, vai sair um campeonato regional ano que vem. Eu, é claro, sou muito a favor, desde que haja patrocínio. Botar as gurias a vender rifa enquanto os marmanjos ganham até salário é brabo. Mas, entre outros assuntos, o ponto que mais gerou polêmica foi a decisão de extinguir ou não a torcida organizada. Era uma piazada muito bagunceira, muito criadores de caso e, o que eu acho pior, muito briguentos. Porém, me abstive de votar. Por diferença de um voto – por acaso, o meu foi a única abstenção - acabou dando empate, deixando o veredicto adiado para a próxima reunião. Até lá, ninguém entrava no clube vestindo camisa de torcida.

Voltei para casa a pé, aproveitar para dar uma caminhada – já que a vida tem sido muito confortável hoje em dia, um convite ao sedentarismo. Quando cheguei na esquina de casa, vi alguém pulando o muro para dentro do meu pátio. Não é do meu costume ter medo de ladrão, até porque não tenho muita coisa de valor, mas não gosto que entrem no meu terreno pulando o muro, ainda mais quando não estou em casa. Pensei logo que o objetivo era a casa do meu vizinho Zeno, essa sim, bem mais atraente para um gatuno. Catei o celular e liguei pra ele.

“Zeno”

“Fala seu Horácio”

“Acende as luzes da tua sala porque eu vi alguém pulando o meu muro”.

“Vou ligar pra brigada agora e...”

“Não, guri. Vai assustar os coitados dos brigadianos à toa... Faz o que eu te disse. Eu to aqui na frente e quero ver a figura.”

“Pronto, seu Horácio. Tá acesa. Também já to de olho.”

E não deu outra. Assim que a luz da sala do Zeno iluminou quase a minha varanda inteira, o mesmo vulto saltou de volta para a calçada, atravessou a rua na direção da casa da Dona Mercedes, e correu até a cerca do terreno ao lado, se enroscando no arame farpado. Apurei o passo para ver se ainda o pegava, mas quando cheguei perto, o indivíduo já tinha levantado. Só o que consegui ver foi uma sombra se enfiando no milharal do Seu Figueira. Foi tudo muito rápido.

Fui para casa. Assim que entrei pelo portão, a cena que vi foi surpreendentemente hilária. A parede da varanda, que é grande e sem nenhuma janela, tinha a seguinte pichação: “Véio fiadaputa! A Nação Guarany vai dar o troco”. Achei hilária porque não esperava que a represália fosse tão imediata.

Na reunião seguinte, feita nova votação, foi aprovada por unanimidade a permanência da torcida. Pelo visto, houve pichações em outras varandas pelo Bairro Guarany. Naquela mesma noite, abri mão da minha vaga na diretoria do clube. Agora, só freqüento a hidroginástica e o bingo.