Helena

Esperava que nossos olhares se cruzassem, como balas perdidas, e enchessem aquela noite fria de fogo. Esperava, mas no meu âmago sabia que aquilo não era real. Ela olhava para o banco da frente, para o banco de trás, mas nunca para mim. E eu nem mesmo conseguia ver seu rosto por inteiro.

Ocorreu-me no momento batizá-la de Helena, pois ela, mais que todas as mulheres que tinha visto naquele dia, me provocava a tentar alguma coisa, me fazia guerrear entre minha libido e minha timidez. Helena do ônibus. Tinha os olhos negros, os cabelos negros, a pele alva e era esbeltinha e pequenina. Uma menina com sedução de mulher, uma malícia rósea que confundia e provocava. Aquele era o tipo de mulher que maltrataria um homem apenas por curiosidade.

Ela não olhava para mim. Quis acenar. Quis fazer barulho. Depois quis berrar e até mesmo sentar-me ao seu lado. Mas nada fiz. Ela se levantou e finalmente pude ver todo seu rosto, límpido e de belas proporções. Ela parecia perdida, olhava para todo lado e não sabia mais se descia ali, acabou por sentar-se novamente. Ela estava perdida. Virou-se para o outro lado, procurando um horizonte qualquer. Calado, desci, e sabia perfeitamente onde descer. Quis chorar, depois quis morrer, mas não fiz nenhum dos dois. Assobiei "I can't take my eyes off you" até chegar em casa. E nunca mais pensei nela. Mentira.