Morte pura ou com limão?

Foi com essa pergunta que deixei a Terra... Pelo menos pelos próximos séculos. E antes mesmo de respondê-la, nos instantes que antecediam a queda do meu corpo ao chão. Meu caleidoscópio mental fez um giro de 360 graus e pensei em todas as mulheres que tinha beijado antes dela. Em todos os perfumes, flertes, cantadas sem sucesso, mulheres que levei para minha cama bêbado. E sorria. O sorriso dos justos.

O sorriso daqueles que crêem piedosamente, o mesmo sorriso que um clérigo tem quando sente um milagre realizado. Estava assim. Imóvel e estendido no chão com uma bala de calibre 38 mm na altura da jugular... A morte foi tão agressiva que não tive tempo sequer de recitar um Leminsky, um Drummond, ou um dos meus versos eróticos existencialistas. Para sensibilizar a assassina ciumenta que por seu juízo me privou de viver.

Fiquei triste e ao mesmo tempo senti que a pergunta foi indecorosa... Limão? Tanta fruta menos azeda. Podia ter oferecido uma laranja não é mesmo? De qualquer forma, foi cortês. E isso era o que gostava nela, sua cordialidade era o seu diferencial. Fria, extremamente gelada, quase cinza de tão amórfica. Porém, causava boa impressão pelos trajes, vocabulário refinado e seu olhar de inglesa puritana aguçava os boêmios da Rua 15.

Foi exatamente nessa rua que ouviu-me cantar versos de Pixinguinha e Cartola e desde então não teve mais refinamento que preservou sua retidão, comecei a ter nela minha escolta pessoal. Onde estivesse com meu violão, lá estaria ela. Impecavelmente vestida. Sobretudo os vestidos. Ah sim os vestidos, que bom gosto essa mulher possui. Não tenho dúvidas que foram os movimentos de seus quadris naqueles vestidos que confabularam inúmeros versos dos meus concorrentes das letras.

Ela só queria música, álcool e um pouco de alegria para viver, meu existencialismo era contraditório com sua possessividade promiscua, daí então foram noites e flertes as escondidas. Era simpático a seus protestos de amor platônico... Pois é... Meu ideal diferia. Percebi antes de me faltar oxigênio, qual era o significado de sua metáfora. Sua vida era tão azeda por se sentir traída, que não se considerava mais pura. Minha libertinagem não romântiza a vida do seu modo. Foi mais um caso passional: Matou seu amor. Por não ter amor próprio.

José Luís de Freitas
Enviado por José Luís de Freitas em 09/08/2008
Reeditado em 16/08/2008
Código do texto: T1119846
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