O vendedor de calças jeans em Auschwitz

“Você está sendo desligado da empresa.”

Assim, simples assim, não exatamente com essas palavras, mas algo parecido com isso, ele recebeu a notícia do seu gerente naquela sexta-feira à tarde, cinzenta, enquanto ainda sentia o peso do almoço no estômago e a sonolência vespertina. O mesmo gerente que dias atrás tentou lhe vender uma calça jeans por não ter servido em sua cintura, ou melhor, o que outrora foi uma cintura.

O fato era que estava sendo inexoravelmente defenestrado.

Enquanto, ainda sentado, recebia as instruções de como proceder para o exame demissional e para resgatar o capital que teria direito por seus serviços prestados àquela empresa, olhava firmemente nos olhos aquilares do seu interlocutor que apresentava, além do azul costumeiro, um prazer, um regozijo, uma satisfação imensa em estar proferindo sua dispensa. Era um azul semelhante aos dos olhos de Mengele, pensava o recém demitido, atrelado a um sadismo espelhado em Wirths. Uma Auschwitz estava instalada naquele local, que um dia foi de paz e amizade.

Naquele momento, que não passou de uns 4 minutos entre a primeira e a última palavra ditas na salinha de reuniões, passou-lhe milhões de coisas na cabeça: No que teria feito de errado. Na cotação do Dólar. Na nova contratação do time. No capítulo 19 de um livro que estava lendo. Na Karina Bacchi. Na falta que sentiria de seus amigos. Etc...

Não esperou o déspota finalizar o monólogo, pois aquilo estava lhe causando náuseas. Até que não era má idéia regurgitar ali mesmo, na cara do “Sr. Cinismo”, pensou e adorou seu próprio pensamento.

Levantou, saiu da sala, juntou seus pertences e partiu, sem olhar para trás e disso tudo tirou uma lição:

“Nunca confie em alguém que tente lhe vender uma calça jeans.”