Velhas lembranças

Acho que foi na maneira como me olhou ao abrir a porta, na expressão de seu rosto, no sorriso melancolico como quem me visse como o garotinho de 6 anos cheio de vida que eu era, ou com 15 no adolescente rebelde que eu virei. Me olhou como se voltasse no tempo, como se não visse as marcas do meu rosto, como se minha altura não fizesse diferença, e como se me reconhecesse mesmo eu tendo agora um rosto quase que desconhecido para ela.Talvez tenha sido na maneira como me abraçou, um pouco distante, mas ao mesmo tempo calorosa como sempre fora.Pode ter sido ao entrar em sua casa, ao ver aquelas paredes, já conhecidas, mas agora tão diferentes, não reconheci os dois quadros, o sofá, nem a mesa de centro. Reconheci algumas fotos antigas no balcão da sala, na cozinha reconheci duas grandes xícaras, uma com desenhos de corações vermelhos, agora já um pouco desbotados e descascando, e a outra com desenhos abstratos em preto e branco, que eu mesmo havia lhe presenteado há muito tempo atrás.

Reconhecer aqueles pequenos objetos no meio de tantos outros desconhecidos, deu-me conforto, sensação de alivio talvez.

Enquanto procurava objetos conhecidos por mim, e observava os objetos novos, ela me observava calada, olhava-me com os olhos cheios de lágrimas.

Preparou-me um café, na velha chaleira verde, nos sentamos, prontos para conversar como duas pessoas que não se vêem há algum tempo, mas não tinhamos o que nos falar, o silêncio nos bastava, depois de anos de brigas e discussões, agora só queríamos ficar assim, frente ao outro em silêncio.

Olhei cuidadosamente para o seu rosto, agora cheio de rugas, o cabelo continuava o mesmo, curto, mas agora branco, não pintava mais para esconder a cor natural, como antes.

Ela já não era mais a mesma, não falava alto, não ria alto, não falava descontroladamente como antes, agora se permitia ficar em silêncio, em falar baixinho.

Lembrei-me das férias que passei na casa de minha vó no interior, fiquei um mês longe dela, e á noite eu colocava a foto dela embaixo do travesseiro e chorava, não sei porque chorava, saudade talvez, mas tinha uma tristeza naquelas lágrimas, um medo de perde-lâ, bobagem minha, devia ter uns 12 anos.

Hoje sinto falta de outras coisas, de acordar com o cheirinho de café e do pão tostado no forno que ela fazia, da maneira como me esperava de madrugada para abrir a porta quando eu chegava das festas, dessas pequenas bobagens que fazem a gente se sentir cuidado e amado.

Quando sai da casa dela, nos magoamos muito, ela era muito diferente de mim,e isso se tornara insuportável, não me arrependo de ter ido embora, se tivesse ficado, nos magoaríamos mais, seria muito mais doloroso do que foi, mas não foi fácil ir embora, passei noites e noites perdido desesperado dormindo em casas de amigos e conhecidos, me sentindo um estranho dentro de cada uma,naquelas camas, não reconhecera o cheiro dos lençóis a textura das paredes, senti que não eram meu lugar. Com o tempo construi minha casa e achei meu lugar.

Ficamos anos sem nos ver, falamos pouco mais de 2 ou 3 vezes, somente o necessário: Feliz Natal, Feliz Aniversário, se cuida..beijos.., mas sempre ela me procurava, eu nunca a procurei depois do ocorrido. Até esse momento, pelo menos, até o dia em que resolvi procura-la, o porque eu não sei, saudade?Talvez, ou talvez algum pressentimento que ela precisava de mim, mas não precisava, mas foi naquele dia, em alguma coisa, em algum gesto, em alguma palavra, não sei dizer exatamente o que, talvez em um simples olhar, foi naquele dia que eu então percebi, percebi o que eu nunca entendera, na infância, e muito menos na adolescência, e desistira de entender quando adulto, e agora finalmente eu pude compreender, foi nesse dia que eu então vi seus olhos, aqueles olhos que sempre me pareceram tristes, que eu sempre achei que tivesse um olhar melancolico, quando olhei com cuidado percebi, que tudo havia sido em vão, eu poderia passar anos, sem vê-la, anos sem ouvir sua voz, mas eu sempre, sempre ia ter o mesmo olhar, eu sempre ia ser exatamente como ela...um olhar triste e melancolico...

Débora R
Enviado por Débora R em 16/02/2006
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