O Barro dos Heróis

Sombra sempre fora, desde as suas mais remotas lembranças, apaixonado pelos heróis.

Heróis do cinema, das revistas em quadrinhos, dos esportes; heróis que enfrentavam os dragões e, os derrotavam de uma forma inexplicável, mas, ao mesmo tempo, admirável.

Héróis bíblicos como, por exemplo, Sansão. Aquele que enfrentou um leão, usando apenas e tão somente as suas mãos, para salvar a linda Dalila.

Davi, que enfrentou o gigante Golias, tendo como arma apenas o seu estilingue, vencendo-o e, tornando-se o Rei dos Judeus.

Esse mundo dos heróis, esse espírito dos heróis, era para ele, o corolário da força, brotada e vingada, dentro do ser humano.

Estava ele com pouco mais de nove anos, cursando na época, o terceiro ano do Grupo Escolar Cel. José Bento, quando, apareceu em sua classe, um aluno novo. Novo, não só no Grupo, mas, na cidade também.

Dona Carolina, professora do terceiro ano, dando início a sua aula, pediu à todos, que abríssem o livro didático.

Sombra então deparou-se com uma figura que tinha o cabelo espetado e que, coincidentemente, era muito parecido com o novato, que se chamava Nilo. Sombra, dotado que era de um senso de humor muitíssimo apurado e, não resistindo jamais à tentação de fazer uma piada, começou a comparar Nilo ao menino do livro didático, cujo nome era João Felpudo.

Claro que isso provocou o riso de todos os colegas de Sombra, colocando Nilo numa situação vexatória, que foi -imediatamente- percebida por Sombra, deixando-o tremendamente culpado e arrependido. Sombra não conseguiu avaliar -com rapidez- o impacto que aquela gozação teria sobre o novato.

Nilo, por sua vez, fez um sinal para que Sombra o aguardasse no recreio.

Sombra era mais forte e maior que Nilo, mas sabia, claramente, que estava sem razão e, foi sabendo disso que se encaminhou para o recreio.

Cara a cara com Nilo, que queria e precisava limpar a sua honra, foi chamado para a briga. Sombra não se moveu como se não quisesse brigar, olhando fixamente para Nilo, esperando que ele tomasse alguma iniciativa, pois, o ofendido era ele e, a ele, caberia o desagravo.

Depois de um longo tempo, Nilo aproximou-se de Sombra -que se manteve imóvel- empurrando-o rumo ao chão.

Havia uma roda enorme de garotos, esperando -ardentemente- por uma briga, que preenchesse de emoção aquele dia morno e sem graça.

Sombra, caído no chão, olhou fundo nos olhos de Nilo, tentando perceber se ele já estaria ou não, satisfeito com aquele troco; considerando assim que a sua honra já estivesse lavada.

Dentro de sua percepção, pareceu-lhe que sim...

Levantou-se então, calmamente, caminhou na direção de Nilo, que se colocou -imediatamente- em posição de defesa.

Sombra parou a meio metro de Nilo e, ao invés de partir para a briga, estendeu-lhe a mão para um aperto, selando uma amizade que perduraria até o término do Colegial, quando a vida separou os seus destinos, definitivamente...

Sombra percebeu então -com nitídez- que o barro do qual são feitos os heróis, passam primeiro pela mistura corajosa da humildade e, da clareza, quanto ao valor da verdade.

Passam também pela coragem de se fazerem passar por covardes, perante a galera, mas, de ficar em paz com a sua própria consciência. Contrariamente a tudo que imaginava dos heróis, descobriu que, massacrar o adversário e, vencê-lo, a qualquer custo e em todas as circunstâncias, é uma atitude mesquinha, que lhe voltará em algum momento, na forma de uma facada pelas costas...

Os heróis trazem dentro de si uma força que poderá, em muitos momentos -mesmo inconscientemente- livrá-los e, aos demais, de perigos que nem sequer venham a se apresentar, claramente, como se fossem protegidos por uma blindagem, que muitos chamam de "anjo da guarda".

O barro de onde nascem os heróis, têm ainda uma substância, que podemos chamar de "loucura", mas que é apenas a certeza de que serão vitoriosos naquela empreitada, arriscada para a maioria, mas, que, para eles, é a visão clara do futuro, muito além do perigo ao qual estão expostos momentâneamente.

O barro de onde nascem os heróis têm uma força que não pode ser vista pela maioria.

Mas, o destino dos heróis pode ser trágico, caso se deixem levar pela arrogância, que acompanha à distância essa força, esperando por uma brecha para se manifestar... A arrogância está para os heróis, como a picada da cobra está para a ausência do soro anti-ofídico...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 23/08/2008
Reeditado em 26/08/2008
Código do texto: T1142393
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