Conto no Mais que Perfeito

Fora sempre distante da realidade. Não levara vida de altos e baixos, achava isso demais para si. Ocorria de pensar que estara distante da realidade do mundo que o cercava. Porém, cedo ou tarde a vida lhe bate à porta. E batera.

Assim como ele também esbarrara sua face na verdade. De início era tudo estranho, contudo, conseguia tranqüilamente agregar os seus devaneios com pinceladas da verdade. Isso no início. Cada vez mais crua, a natureza da idade mostrava suas garras e por vezes o arranhava. Não o machucara muito, até aquele dia em que, mais uma vez, seu rosto fora esbofeteado. Suas pernas bambearam. E ele caíra.

Descera do meio-caminho que estava dos céus até parar na terra, onde, de fato, é o verdadeiro inferno.

Todavia, não quisera ele acreditar que seus dias de sonhos por ela estavam chegando ao fim. Não, haviam acabado de começar! Como pudera ser tão frio!?

Ah, o Destino, essa magnífica caixa de caminhos enevoados, os quais podem te levar ou ao caminho certo e depois desembocar numa via ensolarada, ou te levar a um penhasco sem que a gente perceba. E, estando sem ver um palmo à frente, dar um único passo pode resultar em muita coisa.

Assim estara o nosso perdido protagonista. Ao mesmo tempo em que odiava as cusparadas que a vida (dos outros!) lhe dava, ainda assim nutria grandes sentimentos pela garota.

A qual, mais uma vez devido ao excelentíssimo senhor das surpresas, o Destino, mudara bruscamente o jeito dele a ver. Era uma amiga, conhecida, parceira de noitadas e de dramas psicológicos. Não esperara que ela fosse virar a mesa. Não, definitivamente não, ele era inocente e segunda geração demais para aceitar de forma singela tocar os lábios da moça com os seus sem ter nada por detrás. Não era ele diferente, como fora citado? Pois então, velhos hábitos não mudam nunca. Talvez mudem, mas isso exije tempo. E um mês e catorze dias não são suficientes.

Quisera ele tapar os olhos e sair correndo via estrada enevoada. Mas trazia consigo uma lanterna, que acendera e, para sua surpresa, enxergara, e muito, o que acontecera mais para frente se apenas seguisse o caminho. Resolvera parar, apontar o feixe de luz para todas as direções possíveis. Talvez encontrar uma rota alternativa. Talvez andar. E torcer para que as pilhas não acabem.

Eis que este descobrira algumas passagens. Mas é tão difícil sair daquela encruzilhada, tão complexo tomar uma decisão. Botar a culpa na astrologia pudera ser uma saída, porém, envolve mais que isso. Oras, com apenas um único passo inicia-se uma viagem. Onde dará? Não sabe. Compensa arriscar? Não sabe. Quem deve falar mais alto, a razão ou a emoção? Mais uma dúvida que paira.

Um dos rumos é largar tudo, esperar que a garota não esteja gostando dele. Pois se estiver, oh, mais um problema! Esperara sim por alguém que fizesse isso... mas logo ela? Justo a que ele menos esperara, justo a qual ele não desejara, justo aquela que em tão pouco tempo conseguiu fazer com que sua cabeça virasse, desvirasse e revirasse do avesso e de novo muitas vezes em tão pouco tempo. Logo ela, tão perfeita em certos aspectos e tão podre em outros. Tão 08 E 80.

Então que entra o lado emocional. O outro diz pra ele se livre desse problema, como se nada tivesse acontecido, de cabeça erguida, como um imperador romano em passeata. Mas de que adianta fingir sendo que ambos sabem o que acontecera? Ambos estiveram ali, ao som estridente dos amplificadores, sentados não tão confortáveis em cadeiras no meio do público. Mãos e testas unidas. Um movimento. E um pedido de desculpas. E outro. E outro num dia seguinte. Homens são sim porcos a ponto de disfarçarem, e fingir que nada acontecera. Mas não ele. Oh, como desejara sê-lo! De qualquer forma, é como fora dito sobre hábitos e costumes.

Por conseqüência, já que não consegue ser insensível, viaja. Não necessariamente ao mesmo lugar, mas sim ao mesmo clima. Ao mesmo ambiente. Por favor, não tão barulhento, eles querem conversar. Ele quer. Sobre ela, sabe-se lá se ao menos quisera estar ali "de novo". Abraçaria-a quando estivessem em paz. Olharia em seus negros olhos, com receio de se machucar em tão rígidas pérolas-negras que eram. E abriria o jogo. Diria tudo que se passava. Ou quase tudo, mais um vez com um certo medo. O essencial com certeza seria passado, que é: "Você afirma que nenhuma alma sangraria por você. Bem, a minha o faria. Mas há um preço: a sua há de sangrar junto". Para ela, valeria mais o quê? Evitar um suposto trabalho, numa mania humana de sempre fazer o menor esforço... ou arriscar, e rogar para que ambas metáforas não morram por hemorragia? De qualquer forma, choro seria ótimo. De preferência dele, porém, caso ambos o façam, melhor ainda. Se isso ocorrer e a garota aceitar ter o trabalho de aceitar o rapaz, assim como este também suará demais para mudar jeitos de pensar, seria excelente.

Ou pensa que seja.

Raios, era pra ser no Mais que Perfeito, e não no Presente.